3 de maio de 2012
A morte do Direito quando se aprova o direito de matar
Como aqui já tratamos a ADPF-54 (“Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental”), que pediu ao Supremo Tribunal Federal a legalização do aborto em casos de anencefalia, infelizmente foi considerada procedente por oito ministros da Corte Suprema.
Pode-se assim muito sinteticamente dizer que a grande maioria dos magistrados fundamentou suas razões no sentido de que o nascituro anencefálico não tem vida, é um natimorto, concluindo que se pode praticar o aborto. Alguns deles disseram que bebês anencéfalos morrem durante a gestação, ou, se vêm à luz, têm vida de curta duração. Não levando em consideração — para citar dois casos que ficaram famosos no Brasil inteiro — a vida das meninas Marcela e Vitória, nascidas com má formação cerebral...
Apenas dois votaram pela improcedência daquela ação: Ricardo Lewandowski e Cézar Peluso, então presidente do STF.
O voto do ministro Cézar Peluso foi magistral. Defendendo o nascituro, ele refutou cabalmente seus oito colegas, bem como dos autores da ação (a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde – CNTS) e julgou totalmente improcedente a ADPF-54.
Tal ADPF, iniciada em 2004, defendia uma “interpretação conforme a Constituição da disciplina legal dada ao aborto pela legislação penal infraconstitucional, para explicitar que ela não se aplica aos casos de antecipação terapêutica do parto na hipótese de fetos portadores de anencefalia”.
Em português claro, a referida confederação defendia uma falsa solução para o problema de casos de anencefalia: não mais seria crime eliminar um bebê anencéfalo. Este, como se sabe, é gestado com má-formação cerebral, ou ausência parcial do encéfalo, e não total, como muitos equivocadamente supõem.
A seguir alguns trechos que copiei diretamente do vídeo disponível no YouTube e que se encontra abaixo para quem desejar ouvir a íntegra.
Peluso afirmou que tal julgamento foi o mais importante da história do STF, porque “o que na verdade se tenta definir é o alcance constitucional do conceito de vida e sua tutela normativa”.
Após tecer considerações sobre o feto enquanto uma pessoa com direitos garantidos constitucionalmente, e que a proteção de sua vida está assegurada pelo artigo 2º do Código Civil, Peluso argumentou: “Ainda no seio materno, o ordenamento jurídico lhe reconhece como sujeito de direito enquanto portador de vida. Tudo isso significa, à margem de qualquer dúvida, para meu juízo, que o feto é sujeito de direito e não coisa, nem objeto de direito alheio.
“O doente de qualquer idade, em estágio terminal, portador de enfermidade incurável sofre por seu estado mórbido e também causa sofrimento a muitas pessoas, parentes ou não, mas não pode por isso ser executado, nem lhe é licito sequer receber auxílio para dar cabo da própria vida, incorrendo aquele que o auxilia, nas combinações da prática da eutanásia, punível nos termos do artigo 122 do Código Penal. [...]
“Acrescento que a alegação de que a morte possa ocorrer no máximo algumas horas após o parto, em nada altera a conclusão segundo a qual, atestada a existência de vida em certo momento, nenhuma consideração futura é forte o bastante para justificar-lhe deliberada interrupção. De outro modo, seria lícito sacrificar igualmente o anencéfalo neo-nato. Neste ponto o aborto do anencéfalo e a eutanásia aproximam-se de maneira preocupante.[...] Ambas essas ações produzem nas objetividades convergentes o mesmíssimo resultado físico, que é subtrair a vida de um ser humano por nascer ou já nascido, sob argumentos de diversas origens, como as rubricas de ‘liberdade’, ‘dignidade’, ‘alívio de sofrimento’, ‘direito a autodeterminação’, mas sempre em franca oposição ao ordenamento jurídico positivo no plano constitucional e na legislação ordinária. Do mesmo modo é assombrosa a semelhança entre aborto de anencéfalo e práticas eugênicas.
A respeito da alardeada “gestação comparável à uma tortura”, declarou: “É evidente que ninguém ignora a imensa dor da mãe [...] mas a questão é saber se, do ponto vista estritamente jurídico-constitucional [...] essa carga compreensível de sofrimento e dor — refletida na saúde física, mental e social da mulher, associada à liberdade de escolha —, comporia razão convincente para autorizar a aniquilação do feto anencéfalo. Concluo que não. [...]
“A natureza não tortura. O sofrimento em si não é alguma coisa que degrade a dignidade humana, é elemento inerente à vida humana. O remorso também é forma de sofrimento. [...] Reflete [a fuga da dor por meio do ‘direito de decidir’ (abortar)] apenas certa atitude egocêntrica enquanto sugere uma prática cômoda, de que se vale a gestante, para se livrar do sofrimento e da angústia”. [...]
Peluso contestou a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (autora da ADPF), dizendo que caso se adotasse a argumentação por ela utilizada, poder-se-ia defender até o assassinato de anencéfalos recém-nascidos... Ele aniquilou com os sofismas da autora, que no fundo defendia, pretextando alguns supostos direitos da mãe, o “extermínio do anencéfalo”, a “pena de morte” de um incapaz, o inocente indefeso. Foi categórico dizendo que não somente a vida intra ou extra-uterina do anencéfalo estava em perigo, mas de todos os nascituros, pois a medicina não pode garantir que determinado caso seja de anencefalia, “Se há dúvidas sobre o diagnóstico, provavelmente muitos abortos serão autorizados para casos que não são de anencefalia”.
Em seu voto, ele também reafirmou a questão — evidente e já apontada no voto do ministro Lewandowski — de que o STF não tem competência nem legitimidade para legislar. E concluiu com palavras de muito peso, enquanto Presidente do STF: “Desta feita, eu não posso sequer encerrar meu voto dizendo que talvez, neste caso, a douta maioria [os oito ministros que votaram pró-aborto] tenha razão. Desta vez, pesa-me dizê-lo, que não posso reconhecer. E por isso, julgo totalmente improcedente a ação” [a ADPF-54].
Pode-se assim muito sinteticamente dizer que a grande maioria dos magistrados fundamentou suas razões no sentido de que o nascituro anencefálico não tem vida, é um natimorto, concluindo que se pode praticar o aborto. Alguns deles disseram que bebês anencéfalos morrem durante a gestação, ou, se vêm à luz, têm vida de curta duração. Não levando em consideração — para citar dois casos que ficaram famosos no Brasil inteiro — a vida das meninas Marcela e Vitória, nascidas com má formação cerebral...
Apenas dois votaram pela improcedência daquela ação: Ricardo Lewandowski e Cézar Peluso, então presidente do STF.
O voto do ministro Cézar Peluso foi magistral. Defendendo o nascituro, ele refutou cabalmente seus oito colegas, bem como dos autores da ação (a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde – CNTS) e julgou totalmente improcedente a ADPF-54.
Tal ADPF, iniciada em 2004, defendia uma “interpretação conforme a Constituição da disciplina legal dada ao aborto pela legislação penal infraconstitucional, para explicitar que ela não se aplica aos casos de antecipação terapêutica do parto na hipótese de fetos portadores de anencefalia”.
Em português claro, a referida confederação defendia uma falsa solução para o problema de casos de anencefalia: não mais seria crime eliminar um bebê anencéfalo. Este, como se sabe, é gestado com má-formação cerebral, ou ausência parcial do encéfalo, e não total, como muitos equivocadamente supõem.
A seguir alguns trechos que copiei diretamente do vídeo disponível no YouTube e que se encontra abaixo para quem desejar ouvir a íntegra.
Peluso afirmou que tal julgamento foi o mais importante da história do STF, porque “o que na verdade se tenta definir é o alcance constitucional do conceito de vida e sua tutela normativa”.
Após tecer considerações sobre o feto enquanto uma pessoa com direitos garantidos constitucionalmente, e que a proteção de sua vida está assegurada pelo artigo 2º do Código Civil, Peluso argumentou: “Ainda no seio materno, o ordenamento jurídico lhe reconhece como sujeito de direito enquanto portador de vida. Tudo isso significa, à margem de qualquer dúvida, para meu juízo, que o feto é sujeito de direito e não coisa, nem objeto de direito alheio.
“O doente de qualquer idade, em estágio terminal, portador de enfermidade incurável sofre por seu estado mórbido e também causa sofrimento a muitas pessoas, parentes ou não, mas não pode por isso ser executado, nem lhe é licito sequer receber auxílio para dar cabo da própria vida, incorrendo aquele que o auxilia, nas combinações da prática da eutanásia, punível nos termos do artigo 122 do Código Penal. [...]
“Acrescento que a alegação de que a morte possa ocorrer no máximo algumas horas após o parto, em nada altera a conclusão segundo a qual, atestada a existência de vida em certo momento, nenhuma consideração futura é forte o bastante para justificar-lhe deliberada interrupção. De outro modo, seria lícito sacrificar igualmente o anencéfalo neo-nato. Neste ponto o aborto do anencéfalo e a eutanásia aproximam-se de maneira preocupante.[...] Ambas essas ações produzem nas objetividades convergentes o mesmíssimo resultado físico, que é subtrair a vida de um ser humano por nascer ou já nascido, sob argumentos de diversas origens, como as rubricas de ‘liberdade’, ‘dignidade’, ‘alívio de sofrimento’, ‘direito a autodeterminação’, mas sempre em franca oposição ao ordenamento jurídico positivo no plano constitucional e na legislação ordinária. Do mesmo modo é assombrosa a semelhança entre aborto de anencéfalo e práticas eugênicas.
A respeito da alardeada “gestação comparável à uma tortura”, declarou: “É evidente que ninguém ignora a imensa dor da mãe [...] mas a questão é saber se, do ponto vista estritamente jurídico-constitucional [...] essa carga compreensível de sofrimento e dor — refletida na saúde física, mental e social da mulher, associada à liberdade de escolha —, comporia razão convincente para autorizar a aniquilação do feto anencéfalo. Concluo que não. [...]
“A natureza não tortura. O sofrimento em si não é alguma coisa que degrade a dignidade humana, é elemento inerente à vida humana. O remorso também é forma de sofrimento. [...] Reflete [a fuga da dor por meio do ‘direito de decidir’ (abortar)] apenas certa atitude egocêntrica enquanto sugere uma prática cômoda, de que se vale a gestante, para se livrar do sofrimento e da angústia”. [...]
Peluso contestou a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (autora da ADPF), dizendo que caso se adotasse a argumentação por ela utilizada, poder-se-ia defender até o assassinato de anencéfalos recém-nascidos... Ele aniquilou com os sofismas da autora, que no fundo defendia, pretextando alguns supostos direitos da mãe, o “extermínio do anencéfalo”, a “pena de morte” de um incapaz, o inocente indefeso. Foi categórico dizendo que não somente a vida intra ou extra-uterina do anencéfalo estava em perigo, mas de todos os nascituros, pois a medicina não pode garantir que determinado caso seja de anencefalia, “Se há dúvidas sobre o diagnóstico, provavelmente muitos abortos serão autorizados para casos que não são de anencefalia”.
Em seu voto, ele também reafirmou a questão — evidente e já apontada no voto do ministro Lewandowski — de que o STF não tem competência nem legitimidade para legislar. E concluiu com palavras de muito peso, enquanto Presidente do STF: “Desta feita, eu não posso sequer encerrar meu voto dizendo que talvez, neste caso, a douta maioria [os oito ministros que votaram pró-aborto] tenha razão. Desta vez, pesa-me dizê-lo, que não posso reconhecer. E por isso, julgo totalmente improcedente a ação” [a ADPF-54].
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