Eric Nepomuceno
Todo escritor precisa, entre tantas outras, de duas ferramentas essenciais: imaginação e memória. Uns mais de uma, outros mais de outra. Gabriel García Márquez é um exemplo nítido de escritor que sempre dependeu essencialmente da memória, embora seja tratado como dono de uma imaginação fabulosa. De nada adiantou ele ter dito um sem-fim de vezes que não há uma única linha em tudo que escreveu que não tenha, como ponto de partida, um dado da realidade.
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Depois de 'Memórias de Minhas Putas Tristes', o escritor silenciou
Em 1996, foi mais explícito: "Vivi minha vida inteira da memória, e isso me preocupa muito porque agora começo a notar que ela tem me traído. Tenho na cabeça uma lista de rostos e uma de nomes, mas sou incapaz de relacionar uns e outros." Naquele mesmo ano, ouvi dele, em sua casa da Cidade do México, que ia começar a escrever suas memórias, uma tarefa especialmente difícil: "Quando somos jovens não temos muito para lembrar, e quando chegamos à velhice já não lembramos de quase nada." Um ano depois, começou a escrever Viver Para Contar. Anunciou três volumes. Em 2002, publicou o primeiro. Naquela altura, tinha começado a esboçar o segundo, que não levou adiante. Não chegou a começar o terceiro. Nesse meio tempo, arrematou uma novela breve, Memória de Minhas Putas Tristes. E silenciou.
Semana passada, ao afirmar em Cartagena das Índias que seu irmão mais velho padece de demência senil e não escreve mais, Jaime García Márquez rompeu o pacto que existia entre os amigos mais próximos do escritor. Deve ter suas razões para quebrar o silêncio que cerca o silencioso mundo em que seu irmão está mergulhado faz algum tempo.
Até aquele momento, havia dois antecedentes discretos de ruptura desse pacto que ninguém combinou, mas existia. Nas páginas finais da biografia que escreveu, o inglês Gerald Martin menciona o medo de García Márquez perder a memória, e diz claramente que esse medo cresceu na mesma proporção em que essa memória começava a encolher. O outro antecedente partiu do jornalista colombiano Plínio Apuleyo Mendoza, amigo de García Márquez há mais de cinco décadas, padrinho de um de seus filhos. No começo de junho, ele contou que já não falava mais por telefone com o compadre porque García Márquez não reconhecia as pessoas a menos que estivesse na frente delas.
Beba na fonte: Notícia da senilidade de García Márquez rompe pacto de silêncio de amigos - cultura - variedades - Estadão.
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