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REYNALDO ROCHA
A Comissão da Verdade precisa definir o que seja verdade. Descartes afirmava que a verdade nasce da certeza. Nietzsche sequer acreditava nela. Qual a verdade que norteia esta comissão? A da certeza ou aquela que pode ser inventada ou reescrita?
Prefiro a dos historiadores. Que provam com fatos históricos. E estes podem ser interpretados; jamais desmentidos.
Usar a verdade para fazer a apologia de determinada posição histórica ou opção ideológica é uma mentira em si. Pouco importa a motivação do formulador da hipótese. História não pode sujeitar-se a visões. Simplesmente é. Ou foi.
A Comissão da Verdade – criada para um ajuste de contas entre vencedores e vencidos, que não faz parte da pauta dos brasileiros – teria que buscar a história e nela permanecer. Ou terá.
A lágrima da mãe que perdeu um filho na ditadura é menos valiosa caso o filho tenha sido assassinado pelo então companheiro? Ou só será relevante se foi vítima dos trogloditas oficiais? Os outros – tão trogloditas quanto – estão, a priori, isentos de censura ética?
A violência e horror da tortura são mais leves que o horror do justiçamento executado por um algoz que tinha a confiança do marcado para morrer? A ausência do desaparecido será compreendida como justa se derivar de um ato dos grupos de esquerda que desejavam substituir uma ditadura infame por uma infame ditadura?
É o terror revisitado. É o pesadelo continuado. Que ninguém pediu. Exceto os desejosos de uma cobrança que nós – brasileiros com vergonha na cara e esperança no futuro – já julgávamos ser dívida liquidada. Pela anistia.
O mesmo sentimento que motivou a criação da dita comissão é o que pede a revisão da anistia. Pior: o cancelamento do esquecimento que a anistia carrega como motivação principal – senão única – em qualquer situação.
Esta anistia é que permite que assassinos possam vir a público enaltecer a própria covardia e ferocidade. De ambos os lados.
Não me oponho à elucidação histórica do passado tenebroso da ditadura militar. Ao contrário, creio que uma análise séria serviria de antídoto para outras aventuras. Mas não se constrói a história de um povo e de um país a partir de visões previamente distorcidas. Com antolhos.
A Comissão da Revanche ficará desmoralizada com depoimentos como o de Carlos Eugênio Sarmento Coelho da Paz, o “Clemente. Ou irá recriar um passado. O que não seria estranho: quem não tem projeto de futuro tende a reescrever o passado. Conhecemos a fórmula. E os autores da alquimia.
Não há como separar a tortura bárbara e desumana da desumanidade do julgamento sumário de um ser humano. Julgamento e execução reunidos num só momento. Promotor e juiz de uma causa sem direito à defesa.
Covardia elevada à enésima potência. Usando da confiança da amizade e de sentimento de grupo, tem-se uma vítima desamparada e iludida. O que seria pior? Enfrentar militares armados em camburões policiais ou ir ao encontro de amigos que decidiram pela execução sumária e direta?
Quem é o covarde nesta cena? O que se pode invocar como argumento de defesa? Qual foi a chance concedida à vítima? Em nome de quê? Da democracia? De um novo projeto de país? Qual seria o final destes episódios se os perdedores tivessem triunfado?
Nada disso elimina a minha absoluta repugnância pela ditadura militar. Cruel, covarde e assassina. Ao contrário, aumenta o débito que deixou como herança ao Brasil.
Criou assassinos que, passados mais de 40 anos, ainda se orgulham de serem assassinos. Mesmo que anistiados.
Respeito a não punibilidade derivada da anistia. Para todos. Inclusive para a besta-fera que ironicamente informa que só não confessou o crime por que ninguém havia feito a pergunta. Não respeito o cinismo que sobra e a decência que falta ao Clemente.
A diferença entre ele e o facínora delegado Fleury é que este já morreu. Clemente parece insistir em permanecer vivo em Carlos Eugênio.
Tags: Aliança Libertadora Nacional, ALN, Comissão da Verdade, comunismo, ditadura, justiçamento, luta armada, Márcio Leite de Toledo, Reynaldo Rocha, Reynaldo-BH
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[PAPA LEÃO XIII , ENCÍCLICA SAPIENTIAE CHRISTIANAE , DE 10 DE JANEIRO DE 1890]