Não é o indivíduo - sacerdote ou fiel - ou o grupo que celebra a Liturgia, mas é principalmente a ação de Deus através da Igreja, que tem a sua própria história, sua rica tradição e a sua criatividade.
Hoje, gostaria que nos interrogássemos: na minha vida, reservo um espaço suficiente à oração e, sobretudo, que lugar ocupa na minha relação com Deus a prece litúrgica, especialmente a Santa Missa, como participação na oração comum do Corpo de Cristo, que é a Igreja?
Ao responder a esta pergunta, devemos recordar antes de tudo que a oração é a relação viva dos filhos de Deus com o seu Pai infinitamente bom, com o seu Filho Jesus Cristo e com o Espírito Santo (cf. CCE, n 2565). Portanto, a vida de oração consiste em estarmos habitualmente na presença de Deus e em termos consciência disto, em vivermos em relação com Deus como vivemos os relacionamentos habituais da nossa vida, com os familiares mais queridos, com os amigos verdadeiros; aliás, é a relação com o Senhor que confere luz a todas as outras nossas relações. Esta comunhão de vida com Deus, Uno e Trino, é possível porque por meio do Batismo fomos inseridos em Cristo e, com Ele, começamos a ser um só (cf. Rm 6, 5).
Rezar significa elevar-se à altura de Deus
Com efeito, só em Cristo podemos dialogar com Deus Pai como filhos; de outra forma, não é possível, mas em comunhão com o Filho podemos dizer, também nós, como Ele disse: "Abá". Em comunhão com Cristo podemos conhecer Deus como Pai verdadeiro (cf. Mt 11, 27). Por isso, a oração cristã consiste em olhar constantemente e de maneira sempre nova para Cristo, falar com Ele, estar em silêncio com Ele, ouvi-Lo, agir e sofrer com Ele. O cristão redescobre a sua identidade autêntica em Cristo, "primogênito entre todas as criaturas", em quem tudo subsiste (cf. Col 1, 15ss). Ao identificar-me com Ele, ao ser um só com Ele, volto a descobrir a minha identidade pessoal, a de verdadeiro filho que olha para Deus como para um Pai cheio de amor.
Mas não esqueçamos: é na Igreja que descobrimos e conhecemos Cristo como Pessoa viva. Ela é o "seu Corpo". Tal corporeidade pode ser compreendida a partir das palavras bíblicas sobre o homem e a mulher: os dois serão uma só carne (cf. Gn 2, 24; Ef 5, 30ss; I Cor 6, 16s). O vínculo inseparável entre Cristo e a Igreja, através da força unificadora do amor, não anula o "tu" e o "eu", mas eleva-os à sua unidade mais profunda. Encontrar a própria identidade em Cristo significa chegar a uma comunhão com Ele, que não me anula, mas eleva-me à dignidade mais excelsa, a de filho de Deus em Cristo: "A história do amor entre Deus e o homem consiste precisamente no fato de que esta comunhão de vontade cresce em comunhão de pensamento e de sentimento e, assim, o nosso querer e a vontade de Deus coincidem cada vez mais" (Deus caritas est, n.17). Rezar significa elevar-se à altura de Deus, mediante uma transformação necessária e gradual do nosso próprio ser. [...]
Caráter universal da Liturgia
Gostaria de evocar mais um aspecto importante. No Catecismo da Igreja Católica lemos: "Na Liturgia da Nova Aliança, toda a ação litúrgica, especialmente a celebração da Eucaristia e dos Sacramentos, é um encontro entre Cristo e a Igreja" (n.1097); portanto, quem celebra é o 'Cristo total', a Comunidade inteira, o Corpo de Cristo unido à sua Cabeça. Então, a Liturgia não constitui uma espécie de "automanifestação" de uma comunidade, mas é, ao contrário, sair do simples "sermos-nós-mesmos", estar fechados em nós próprios, e aceder ao grande banquete, entrar na grandiosa comunidade viva, na qual é o próprio Deus quem nos alimenta.
A Liturgia comporta a universalidade e este caráter universal deve entrar sempre de novo na consciência de todos. A Liturgia cristã é o culto do templo universal, que é Cristo Ressuscitado, cujos braços estão abertos na Cruz para atrair todos ao abraço do amor eterno de Deus. É o culto do Céu aberto. Nunca é unicamente o evento de uma comunidade individual, com uma sua colocação no tempo e no espaço. É importante que cada cristão se sinta e esteja realmente inserido neste "nós" universal, que oferece o fundamento e o refúgio no "eu", no Corpo de Cristo, que é a Igreja.
Presença viva de Cristo
N'Ele, devemos ter presente e aceitar a lógica da encarnação de Deus: Ele fez-Se próximo, presente, entrando na História e na natureza humana, tornando-Se um de nós. E esta presença continua na Igreja, seu Corpo. Então, a Liturgia não é a recordação de acontecimentos passados, mas a presença viva do Mistério pascal de Cristo, que transcende e une os tempos e os espaços. Se na celebração não sobressai a centralidade de Cristo, não teremos a Liturgia cristã, totalmente dependente do Senhor e sustentada pela sua presença criadora. Deus age através de Cristo, e nós só podemos agir através d'Ele e n'Ele. Cada dia deve aumentar em nós a convicção de que a Liturgia não é um nosso, um meu "fazer", mas é uma obra de Deus em nós e conosco.
Portanto, não é o indivíduo - sacerdote ou fiel - ou o grupo que celebra a Liturgia, mas ela é primariamente obra de Deus através da Igreja, que tem a sua história, a sua rica tradição e a sua criatividade. Esta universalidade e abertura fundamentais, que são próprias de cada Liturgia, constituem um dos motivos pelos quais ela não pode ser idealizada nem modificada por uma comunidade ou por peritos, mas deve ser fiel às formas da Igreja universal.
Até na Liturgia da comunidade mais pequenina está sempre presente a Igreja inteira. Por isso, na comunidade litúrgica não existem "estrangeiros". Em cada celebração litúrgica participa juntamente toda a Igreja, Céu e Terra, Deus e os homens. A Liturgia cristã - mesmo se é celebrada num lugar e num espaço concreto, e exprime o "sim" de uma determinada comunidade - é católica por sua natureza, deriva do tudo e leva ao todo, em unidade com o Papa, com os Bispos, com os fiéis de todas as épocas e de todos os lugares. Quanto mais uma celebração for animada por esta consciência, tanto mais fecundamente nela se realizará o sentido autêntico da Liturgia.
A Igreja se manifesta plenamente na Liturgia
Caros amigos, a Igreja torna-se visível de muitos modos: no gesto caritativo, nos projetos de missão, no apostolado pessoal que cada cristão deve levar a cabo no seu próprio ambiente. Mas o lugar onde ela é vivida plenamente como Igreja é a Liturgia: ela é o ato no qual cremos que Deus entra na nossa realidade e nós O podemos encontrar e tocar. É o ato no qual entramos em contato com Deus: Ele vem a nós, e nós somos iluminados por Ele. Por isso, quando nas reflexões sobre a Liturgia focalizamos apenas o modo como a tornar atraente, interessante e bonita, corremos o risco de esquecer o essencial: a Liturgia celebra-se para Deus, e não para nós mesmos; é obra sua; Ele é o sujeito; e nós devemos abrir-nos a Ele e deixar-nos guiar por Ele e pelo seu Corpo, que é a Igreja. (Excertos da Audiência Geral, 3/10/2012)
(Revista Arautos do Evangelho, Nov/2012, n. 131, p. 8-9)
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Postcommunio Súmpsimus. Dómine, sacridona mystérii, humíliter deprécantes, ut, quae in tui commemoratiónem nos fácere praecepísti, in nostrae profíciant infirmitátis auxílium: Qui vivis.
"RECUAR DIANTE DO INIMIGO, OU CALAR-SE QUANDO DE TODA PARTE SE ERGUE TANTO ALARIDO CONTRA A VERDADE, É PRÓPRIO DE HOMEM COVARDE OU DE QUEM VACILA NO FUNDAMENTO DE SUA CRENÇA. QUALQUER DESTAS COISAS É VERGONHOSA EM SI; É INJURIOSA A DEUS; É INCOMPATÍVEL COM A SALVAÇÃO TANTO DOS INDIVÍDUOS, COMO DA SOCIEDADE, E SÓ É VANTAJOSA AOS INIMIGOS DA FÉ, PORQUE NADA ESTIMULA TANTO A AUDÁCIA DOS MAUS, COMO A PUSILANIMIDADE DOS BONS" –
[PAPA LEÃO XIII , ENCÍCLICA SAPIENTIAE CHRISTIANAE , DE 10 DE JANEIRO DE 1890]