(10)-FORMAS E RAÍZES DO ATEISMO !
19. – A razão mais sublime da dignidade do homem consiste na sua vocação à união com Deus.
É desde o começo da sua existência que o homem é convidado a dialogar com Deus : pois, se existe, é só porque, criado por Deus por amor, é por Ele por amor constantemente conservado; nem pode viver plenamente segundo a verdade, se não reconhecer livremente esse amor e se entregar ao seu Criador.
Porém, muitos dos nossos contemporâneos não atendem a essa íntima e vital ligação a Deus, ou até a rejeitam explicitamente; e de tal maneira que o ateísmo deve ser considerado entre os factos mais graves do tempo actual e submetido a atento exame.
Com a palavra "ateísmo" designam-se fenómenos muito diversos entre si.
Com efeito, enquanto alguns negam expressamente Deus, outros pensam que o homem não pode afirmar seja o que for a seu respeito; outros ainda, tratam o problema de Deus de tal maneira que ele parece não ter significado.
Muitos, ultrapassando indevidamente os limites das ciências positivas, ou pretendem explicar todas as coisas só com os recursos da ciência, ou, pelo contrário, já não admitem nenhuma verdade absoluta.
Alguns, exaltam de tal modo o homem, que a fé em Deus perde toda a força, e parecem mais inclinados a afirmar o homem do que a negar a Deus.
Outros, concebem Deus de uma tal maneira, que aquilo que rejeitam não é de modo algum o Deus do Evangelho.
Outros há que nem sequer abordam o problema de Deus : parecem alheios a qualquer inquietação religiosa e não percebem porque se devem ainda preocupar com a religião.
Além disso, o ateísmo nasce muitas vezes dum protesto violento contra o mal que existe no mundo, ou de se ter atribuído indevidamente o carácter de absoluto a certos valores humanos que passam a ocupar o lugar de Deus.
A própria civilização actual, não por si mesma mas pelo facto de estar muito ligada com as realidades terrestres, torna muitas vezes mais difícil o acesso a Deus.
Sem dúvida que não estão imunes de culpa todos aqueles que procuram voluntariamente expulsar Deus do seu coração e evitar os problemas religiosos, não seguindo o ditame da própria consciência; mas os próprios crentes, muitas vezes, têm responsabilidade neste ponto.
Com efeito, o ateísmo, considerado no seu conjunto, não é um fenómeno originário, antes resulta de várias causas, entre as quais se conta também a acção crítica contra as religiões e, nalguns países, principalmente contra a religião cristã.
Pelo que os crentes podem ter tido parte não pequena na génese do ateísmo, na medida em que, pela negligência da educação da sua fé, ou por exposições falaciosas da doutrina, ou ainda pelas deficiências da sua vida religiosa, moral e social, se pode dizer que antes esconderam do que revelaram o autêntico rosto de Deus e da religião.
20. – O ateísmo moderno apresenta muitas vezes uma forma sistemática, a qual, prescindindo de outros motivos, leva o desejo de autonomia do homem a um tal grau que constitui um obstáculo de qualquer dependência com a religião de Deus.
Os que professam tal ateísmo, pretendem que a liberdade consiste em ser o homem o seu próprio fim, autor único e demiurgo da sua história; e pensam que isso é incompatível com o reconhecimento de um Senhor, autor e fim de todas as coisas; ou que, pelo menos, torna tal afirmação plenamente supérflua.
O sentimento de poder que os progressos técnicos hodiernos deram ao homem pode favorecer esta doutrina.
Não se deve passar em silêncio, entre as formas actuais do ateísmo, aquela que espera a libertação do homem sobretudo da sua libertação económica.
A esta, dizem, opõe-se por sua natureza a religião, na medida em que, dando ao homem a esperança duma enganosa vida futura, o afasta da construção da cidade terrena.
Por isso, os que professam esta doutrina, quando alcançam o poder, atacam violentamente a religião, difundindo o ateísmo também por aqueles meios de pressão de que dispõe o poder público, sobretudo na educação da juventude.
Nota. Para muitos dos descrentes há a pretensão de confundir Deus com a Natureza, sem conseguirem ou sem quererem descobrir ou aceitar que a Natureza, que ao longo das stações se vai apresentando com as suas maravilhosas cores de gala, para dar prazer ao homem, são a clara manifestação de um Deus omnipotente que tudo criou para a felicidade do homem nesta vida e que nos convida para uma outra felicidade ainda maior no seu Reino Eterno.
Mas tentar negar a Deus já é dar prova de que Ele existe, porque se não pode negar o que não existe; só falta aceitar que esse Deus que se pretende negar, que talvez incomode o nosso orgulho e interpela a nossa consciência, é um Deus de amor e de perdão, que espera a nossa aceitação e que a Igreja tem que tomar atitudes para com o ateísmo.
Nascimento
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Postcommunio Súmpsimus. Dómine, sacridona mystérii, humíliter deprécantes, ut, quae in tui commemoratiónem nos fácere praecepísti, in nostrae profíciant infirmitátis auxílium: Qui vivis.
"RECUAR DIANTE DO INIMIGO, OU CALAR-SE QUANDO DE TODA PARTE SE ERGUE TANTO ALARIDO CONTRA A VERDADE, É PRÓPRIO DE HOMEM COVARDE OU DE QUEM VACILA NO FUNDAMENTO DE SUA CRENÇA. QUALQUER DESTAS COISAS É VERGONHOSA EM SI; É INJURIOSA A DEUS; É INCOMPATÍVEL COM A SALVAÇÃO TANTO DOS INDIVÍDUOS, COMO DA SOCIEDADE, E SÓ É VANTAJOSA AOS INIMIGOS DA FÉ, PORQUE NADA ESTIMULA TANTO A AUDÁCIA DOS MAUS, COMO A PUSILANIMIDADE DOS BONS" –
[PAPA LEÃO XIII , ENCÍCLICA SAPIENTIAE CHRISTIANAE , DE 10 DE JANEIRO DE 1890]