Confraria de São João Batista
Posted: 31 Dec 2013 10:30 PM PST
Fora da Igreja há salvação?
DA SILVA (de Sorocaba) pergunta :
As pessoas que não são católicas vão para o inferno?
É tradicional dizer-se: "Fora da Igreja, não há salvação". O axioma, à primeira vista, causa espanto a muitos, parecendo-lhes expressão de mentalidade estreita, pouco condizente com a Misericórdia de Deus. Devidamente entendida, porém, tal máxima desvenda um pouco da infinita Bondade do Criador.
Em análise sumária, a proposição acima quer dizer que não há salvação se não por meio do Cristo e da obra redentora de Cristo. Ora Cristo vive através dos séculos e se prolonga na Igreja, donde se segue que toda salvação se obtém por contato com a Igreja de Cristo. — Esta dedução é assaz lógica : se o Filho de Deus se dignou tornar-se o Salvador dos homens, compreende-se que não haja graça que não seja graça de Cristo, outorgada através do "Corpo de Cristo que é a Igreja" (cf. Col 1,29).
Dito isto, note-se que o indispensável contato com a Igreja de Cristo, longe de se estabelecer por uma só via, pode ser alcançado de diversas maneiras :
1) O modo mais óbvio é o da incorporação à Igreja mediante a recepção do batismo de água e dos demais sacramentos. A Igreja é, sim, uma sociedade visível (porque Cristo quis aparecer entre nós de forma sensível ou num corpo); é, pois, normal que os que a ela pertencem, manifestem por algum sinal exterior a sua pertinência à Igreja.
À categoria dos homens batizados se pode agregar a daqueles que, tendo tido conhecimento de Cristo e da sua Igreja, se preparam para receber o primeiro sacramento ; estes (catecúmenos), embora ainda não tenham o batismo de água, já possuem o desejo do mesmo (ou o batismo de desejo), desejo explícito, professado, em virtude do qual se salvam.
Contudo, fora dos que assim demonstram de algum modo pertencer à Igreja, contam-se outros muitos indivíduos, destituídos de qualquer vínculo externo com a Esposa de Cristo. Não obstante, pertencem-lhe sem que o saibam e sem que, por sua vez, Ela o saiba.
2) Com efeito, há uma forma invisível de fazer parte do Corpo Místico de Cristo.
Deus, em seus sábios desígnios, não julgou necessário fazer que todos os homens que vêm a este mundo cheguem ao conhecimento explicito de Cristo (tal é o caso, entre outros, dos milhões de pagãos que viveram e vivem nas selvas sem ver um missionário). O Senhor também permite que muitos dos que ouvem falar de Cristo e da sua Igreja (seja em terras incultas, seja em nossos países civilizados), o ouçam de maneira incompleta, lacônica ou não adaptada à sua psicologia, de sorte que, mesmo depois de ouvir a pregação da Igreja, não experimentam o "problema religioso", não lhes aflora à consciência o dever de receber o sacramento do batismo; repelindo a Igreja, podem até julgar estar repelindo o erro.
Contudo nenhum desses homens é abandonado pela Providência. O verdadeiro e único Deus se lhes dá a conhecer de outro modo.
E como ?
No fundo de todo e qualquer individuo, faz-se ouvir um imperativo espontâneo : "Pratica o bem, evita o mal". Este ditame supõe um Autor da Natureza humana capaz de lhe impor preceitos e sanção, pois tal imperativo antecede a deliberação do homem e o acompanha sempre, por muito que o indivíduo faça para o sufocar (excetuam-se apenas casos de extraordinário empedernimento voluntário). Assim quem, chegando à idade da razão, toma consciência desse imperativo fundamental e generalíssimo (e não há quem não o faça), toma ao mesmo tempo consciência, mais ou menos confusa, mais ou menos clara, de que Deus existe e é Remunerador dos que O temem. Ora a afirmação destas duas proposições é suficiente para a salvação eterna, pois nelas se acha compendiada toda a doutrina revelada (cf. Hebr 11,6). Se, pois, alguém com toda a boa fé segue a sua consciência, praticando tudo que esta lhe indica como "bem" e evitando tudo que ela aponta como "mal", tal pessoa está seguindo a Deus ; por conseguinte, vai-se aproximando do único Deus e da bem-aventurança sobrenatural. Para uns, o ditame básico "Faze o bem, evita o mal" significará talvez seguir tudo que, em doutrina e moral, é ensinado pelo budismo ; para outros significará seguir o islamismo ; para terceiros, o protestantismo ou o espiritismo, etc. Se, porém, cada um dos adeptos desses credos, aderir com fidelidade e consciência absolutamente tranquila à sua religião, ele se encaminhará para o verdadeiro Deus. É Este mesmo que se lhes dá a conhecer e os chama por via daquela ideologia que em plena boa fé eles julgam ser verídica.
Diz-se então que tais pessoas possuem o batismo de desejo não explícito, mas implícito, pois, dotadas como se acham de sinceridade na procura de Deus, se viessem a saber que o Senhor fez do batismo sacramental e da pertinência à Igreja visível a via normal para chegar ao Criador, não hesitariam em pedir o sacramento. Repitamos, pois : se alguém, aderindo a uma ideologia não católica, reconhece que Deus existe e é providente, pode salvar-se, caso não tenha dúvida nenhuma sobre a veracidade de sua religião e pratique fielmente tudo que esta manda. Não seria demasiado, porém, frisar que, para conseguir em tais casos a vida eterna, é absolutamente necessário esteja a pessoa de boa fé, pois, desde que conceba alguma suspeita sobre a sua religião, não somente Deus, mas também a dignidade humana, exige que tal indivíduo procure sair da hesitação, investigando a verdade ; o homem, dotado de inteligência, é por sua natureza mesma movido a procurar em tudo a clareza; não lhe será licito, portanto, em matéria religiosa deixar-se ficar voluntariamente na penumbra ou nas trevas.
É assim que se entende que muitos e muitos indivíduos, embora não professem adesão à Igreja, a esta pertençam e por esta se salvem. Diz-se comumente que fazem parte não do corpo, mas da alma da Igreja — distinção pouco feliz, pois corpo e alma de um vivente são inseparáveis um do outro ; fale-se, antes, de pertinência visível e invisível à Igreja.
De quanto foi dito, seria totalmente falso deduzir que todas as religiões são boas... O homem foi feito para viver não somente da boa fé, mas da verdadeira fé, pois a apreensão da verdade é a primeira das exigências de sua natureza intelectiva (a luz necessária para se praticar o bem é a verdade). Ora a verdadeira fé só pode ser uma: será a que Deus mesmo se dignou revelar pelo monoteísmo judaico-cristão, que continua o monoteísmo primitivo da humanidade e se encontra na Igreja Católica, ininterruptamente apregoado desde Cristo e os Apóstolos. É normal, portanto, que o homem procure viver de boa fé dentro da verdadeira fé. A boa fé só supre a verdadeira fé, caso as pesquisas em demanda desta não sejam possíveis ao homem, por bem intencionado que esteja. Consciente disto, a Santa Igreja, tendo recebido de Cristo a ordem formal de ensinar a todos os povos (cf. Mt 28,19s), nutre continuamente o zelo de seus missionários.
Tais concepções foram ainda recentemente (8 de agosto de 1949) afirmadas pela S. Congregação do Santo Ofício. O ensejo disto foi o movimento excitado por duas entidades norte- americanas — o "St. Benedict Center" e o "Boston College" — em favor de uma interpretação mais estreita e rigorista do axioma "Fora da Igreja, não há salvação". Cf. P. R. 47/1961.
Dom Estêvão Bettencourt (OSB)
You are subscribed to email updates from Confraria de São João Batista
To stop receiving these emails, you may unsubscribe now.
Email delivery powered by Google
Google Inc., 20 West Kinzie, Chicago IL USA 60610
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Postcommunio Súmpsimus. Dómine, sacridona mystérii, humíliter deprécantes, ut, quae in tui commemoratiónem nos fácere praecepísti, in nostrae profíciant infirmitátis auxílium: Qui vivis.
"RECUAR DIANTE DO INIMIGO, OU CALAR-SE QUANDO DE TODA PARTE SE ERGUE TANTO ALARIDO CONTRA A VERDADE, É PRÓPRIO DE HOMEM COVARDE OU DE QUEM VACILA NO FUNDAMENTO DE SUA CRENÇA. QUALQUER DESTAS COISAS É VERGONHOSA EM SI; É INJURIOSA A DEUS; É INCOMPATÍVEL COM A SALVAÇÃO TANTO DOS INDIVÍDUOS, COMO DA SOCIEDADE, E SÓ É VANTAJOSA AOS INIMIGOS DA FÉ, PORQUE NADA ESTIMULA TANTO A AUDÁCIA DOS MAUS, COMO A PUSILANIMIDADE DOS BONS" –
[PAPA LEÃO XIII , ENCÍCLICA SAPIENTIAE CHRISTIANAE , DE 10 DE JANEIRO DE 1890]