- MÊS DE MAIO DE 2014
- MEMÓRIAS DA IRMÃ LÚCIA
1. Temperamento
Ex.mo e Rev.mo Senhor Bispo.
Antes dos factos de 1917, exceptuando o laço de parentesco que nos unia, nenhum outro afecto particular me fazia preferir a companhia da Jacinta e Francisco, à de qualquer outra criança.
Pelo contrário, a sua companhia tornava-se-me, por vezes, bastante antipática, pelo seu carácter demasiado medlindrosa.
A menor contenda, das que se levantam entre as crianças, quando jogam, era bastante para a fazer ficar amuada, a um canto, a prender o burrinho, como nós cá dizíamos.
Para a fazer voltar a ocupar o seu lugar na brincadeira, não bastavam as mais doces carícias que em tais ocasiões as crianças sabem fazer.
Era então preciso deixá-la escolher o jogo e o par com quem queria jogar.
Tinha, no entanto, já então, um coração muito bem inclinado, e o bom Deus tinha-a dotado dum carácter doce e meigo que a tornava, ao mesmo tempo, amável e atraente.
Não sei porquê, a Jacinta, com seu irmãozinho Francisco, tinham por mim uma predilecção especial e buscavam-me, quase sempre, para brincar.
Não gostavam da companhia das outras crianças e pediam-me par ir com eles para junto dum poço que tinham meus pais, no fundo do quintal.
Uma vez aí, a Jacinta escolhia os jogos em que iamos entreter.
Os seus preferidos eram, quase sempre, sentados sobre esse poço, que era coberto de lages por cima, à sombra duma oliveira e duas ameixieiras, o jogo das pedrinhas ou do botão.
Com este vi-me também, não poucas vezes, em grandes aflições, porque, quando nos chamavam para comer, encontrava-me sem botões na roupa.
Por ordinário, ela tinha-mos ganhado e isto era o bastante para que minha Mãe me ralhasse.
Era preciso pregá-los à pressa; e como conseguir que ela os desse, se, além do defeitilho de amuar, tinha o de agarrada ?
Queria guardá-los para o jogo seguinte, para não ter que arrancar os dela.
Só ameaçando-a de que não voltava mais a brincar com ela é que os conseguia !
Não poucas vezes acontecia não poder satisfazer o desejo da minha amiguinha.
Como minhas irmãs mais velhas, que eram uma tecedeira e a outra costureira, passavam os dias em casa, as vizinhas pediam a minha Mãe para deixarem os seus filhinhos no pátio de meus pais, junto de mim, a brincar, sob a vigilância de minhas irmãs, enquanto que elas iam para os campos trabalhar.
Minha Mãe dizia sempre que sim, embora custasse a minhas irmãs uma boa perca de tempo.
Eu era então encarregada de entreter essas crianças e ter cuidado que não caíssem num poço que havia nesse pátio.
Três grandes figueiras reguardavam, dos ardores do Sol, a essas crianças; seus ramos serviam de baloiço e uma velha eira servia de sala de jantar.
Quando, nesses dias, a jacinta vinha com seu irmãozinho a chamar-me para o nosso retiro, dizia-lhe que não podia ir, pois minh Mãe me tinha mandado estar ali.
Então os dois pequeninos resignavam-se com desgosto e tomavam parte na brincadeira.
Nas horas da sesta, minha Mãe dava a seus filhos a sua lição de doutrina, principalmente quando se aproximava a Quaresma, porque dizia não quero ficar envergonhada, quando o Senhor Prior vos perguntar a doutrina, na desobriga.
Então todas aquelas crianças assistiam à nossa lição de catecismo; a Jacinta lá estava também.
Nascimento
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