O primeiro dia do maior julgamento da história do Supremo Tribunal Federal (STF), a Ação Penal 470 - o escândalo do mensalão -, durou mais de cinco horas, e concluiu em julgar todos os 38 réus citados no processo. A principal decisão que os ministros tiveram que tomar nesta quinta-feira foi quanto ao desmembramento do processo para os réus com foro privilegiado, o que foi negado em votação. No final da sessão, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, explicou porque não pediu pelo impedimento do ministro Dias Toffoli no processo. Segundo ele, isso atrasaria o julgamento.
- Se o fizesse, teria a suspensão do julgamento, e com a perspectiva de um atraso no horizonte razoável – disse. (Confira como foi a cobertura do julgamento em tempo real do Globo).
O pedido de desmembramento foi feito logo no início da sessão pelo ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, que é advogado ex-diretor do Banco Rural José Roberto Salgado. Ele propôs uma questão de ordem para solicitar o desmembramento do processo, alegando "inconstitucionalidade do tribunal para julgar réus que não têm prerrogativa de foro". No entanto, após quase três horas de discussão, a maioria dos ministros votou contra a questão - nove contra dois.
Caso o desmembramento fosse aprovado, só seriam julgados no Supremo os réus com foro privilegiado, que, no caso do mensalão, são três: João Paulo Cunha (PT-SP), Pedro Henry (PP-MT) e Valdemar Costa Neto (PR-SP). Segundo a especialista da Fundação Getúlio Vargas Tânia Rangel, que comentou o julgamento no ambiente especial do GLOBO para o mensalão, a Constituição fala que quando se tratar de processo contra deputado federal, o processo deve ser julgado diretamente pelo STF - isso se chama prerrogativa de foro.
No processo do mensalão, três acusados são deputados federais, o que fez que o STF fosse o órgão competente para julgá-los. Apesar dos demais 35 réus não se enquadrarem ao caso, o STF decidiu que, como os fatos alegados estavam muito interligados, todos responderiam ao inquérito no Supremo para que se pudesse melhor apurar a existência ou não dos crimes e a participação de cada um dos réus.
Discussão entre ministros
O julgamento começou às 14h26 com a leitura do nome de todos os réus pelo ministro Ayres Britto.
Logo após, o ex-ministro Márcio Thomaz Bastos propôs a questão de ordem. Outros advogados reiteraram o pedido, como os de Marcos Valério e de José Genoíno.
O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, se pronunciou contra o desmembramento. Depois, o relator do processo, ministro Joaquim Barbosa, disse que a questão já havia sido discutida e considerou "irresponsável" levantar esta questão durante o julgamento.
Houve um início de discussão quando Ricardo Lewandowsky foi se pronunciar sobre o desmembramento e, sem dizer se concordava ou não, disse que o colegiado deveria ter mais respeito com a questão de ordem de Thomaz Bastos. Joaquim Barbosa interferiu na fala do ministro, dizendo que não havia necessidade de "discutir uma questão que já havia sido discutida".
- Me causa espécie Vossa Excelência se pronunciar pelo desmembramento do processo, quando poderia tê-lo feito há seis, oito meses. Vossa Excelência poderia ter pedido, eu traria em questão de ordem - declarou Barbosa.
Lewandowsky, então, começou a citar diversos casos julgados no STF onde foram aprovados o desmembramento, para mostrar a "forma rotineira de se julgar esta questão" pelo Supremo. Ayres Britto pediu para que Lewandowsky acelerasse seu voto, mas ele pediu tempo para terminar sua fala.
Na ocasião, Joaquim Barbosa saiu do plenário. Ao voltar, disse que sugeriu "o desmembramento há seis anos", e foi "vencido". No entanto, Lewandowsky continuou seu pronunciamento, até votar a favor da questão. Joaquim Barbosa voltou a provocar o ministro.
- Eu volto a dizer, o ministro Lewandowsky, no final de sua fala, colocou a em questão a legitimidade desta corte para julgar esta ação penal. Ele disse claramente que os réus estariam em risco. Agora o que eu pergunto é revisor deste processo há dois anos, por que não trouxe a questão há dois anos? (...) O que está em jogo é a credibilidade deste tribunal. Esta questão já foi discutida aqui três vezes, está é a quarta.
A ministra Rosa Weber, ao se pronunciar sobre o caso, disse que o tema já havia sido discutido no Supremo, e votou contra o desmembramento. O ministro Luiz Fux, apesar de elogiar a concepção de Lewandowsky sobre a questão, também votou contra.
Em seu voto, o ministro Dias Toffoli sinalizou que não pretende pedir afastamento do julgamento do mensalão. Ao votar contra a questão de ordem, o ministro afirmou que os argumentos usados para analisar a questão de ordem fazem parte de seu voto sobre o processo.
Toffoli era subordinado a um dos réus do processo, José Dirceu, quando estava na Advogacia Geral da União (AGU) durante o governo Lula. Além disso, a namorada de Toffoli, Roberta Maria Rangel, trabalhou na defesa do professor Luizinho, então líder do governo na Câmara na época do escândalo.
Os ministros Cezar Peluso, Celso de Mello, GIlmar Mendes e Cármem Lúcia também votaram contra o desmembramento. Marco Aurélio Mello votou a favor. O último voto foi de Ayres Britto, que seguiu o voto do relator.
Mensalão parecia "meros empréstimos"
Os ministros fizeram um intervalo de 30 minutos após a votação do desmembramento. Ao retornarem ao Plenário, o ministro Joaquim Barbosa começou a ler o relatório do caso.
De pé, encostado em sua cadeira, o ministro disse que o esquema do mensalão começou em 2002, e que José Dirceu e outros integrantes do PT formavam o "núcleo central da quadrilha", que buscavam apoio político por meio de compra de votos de parlamentares. E que o dinheiro púiblico usado no esquema do mensalão tinha a aparência de "meros empréstimos bancários", obtidos pelos petistas e empresas de publicidade.
Segundo o relatório, os réus do "núcleo central" teriam usado outros integrantes da quadrilha para a distribuição do dinheiro. As agências de publicidade teriam cometido o crime de lavagem de dinheiro, para colocar em prática as intenções políticas do grupo. O revisor do caso, Ricardo Lewandowsky, concordou com o conteúdo do relatório de Joaquim Barbosa.
Ao término, Ayres Britto convocou todos para a próxima sessão, quando o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, terá cinco horas para acusar os réus.
Sem Power Point
Antes da leitura do relatório do caso, Alberto Toron, advogado do réu João Paulo Cunha, apresentou uma questão de ordem para pedir que o Tribunal permita o uso de ferramenta audiovisual, como o Power Point durante o julgamento do mensalão. No entanto, o ministro Ayres Britto indefiriu o pedido.
Na quarta, em uma sessão administrativa o STF decidiu por 5 a 4 que não seria permitido o uso da ferramenta. Toron argumenta que o Tribunal tomou a decisão em uma sessão com a ausência de dois ministros. Ele também alega que a sessão não teve a presença dos advogados.
- O Power Point é usado no TSE. A Corte dispõe de um. Não é nada excepcional – disse Toron.
Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, que defende o marqueiteiro Duda Mendonça, reclamou do excesso de rigor da segurança durante o julgamento. O advogado foi proibido de comer uma barra de cereais dentro do Plenário antes do intervalo.
- Acho que houve um excesso. Advogo no STF há 30 anos, e a tradição desse tribunal é a urbanidade – disse Kakay.
Defesa dos advogados
Os advogados dos réus chegaram ao prédio do STF por volta das 13h15. Os primeiros foram Márcio Thomaz Bastos e o advogado José Carlos Dias, que defende o ex-diretor do Banco Rural Vinícius Samarane.
O advogado Marcelo Leonardo, que defende o empresário Marcos Valério, disse que espera um julgamento justo:
- A expectativa é que o STF faça um julgamento justo e conforme as provas dos autos.
Os réus não deverão comparecer ao tribunal para acompanhar a sessão.
- O melhor é ficar em casa tomando calmante e rezando para iluminar o advogado – disse o advogado Antônio Cláudio Mariz, que defende Ayanna Tenório, executiva do Banco Rural.
José Luis Mendes de Oliveira Lima, advogado de José Dirceu, disse que o ex-ministro da Casa Civil do governo Lula vai acompanhar o julgamento de casa com a família e amigos.
- Não existe esquema de corrupção, portanto ele não é núcleo de nada . José Dirceu é inocente – disse o advogado, ao ser questionado sobre Dirceu ser o chefe do esquema do mensalão.
Segundo o advogado, não há nenhum depoimento no processo que confirme as acusações do ex-deputado Roberto Jerfferson sobre o mensalão.
- É inegável que há uma conotação neste sentido. Há uma ação maior do Ministério Público que ele ( Dirceu) é o chefe, mas não há um único depoimento que corrobore as afirmações do ex-deputado Roberto Jerfferson (PTB-RJ).
- Eu converso com ele todos os dias. É inegável que há uma ansiedade, mas ele está sereno, confia na Justiça e na sabedoria dos ministros do Supremo.
O advogado não quis se manifestar sobre a polêmica em relação ao ministro Toffoli, disse que essa é uma questão pessoal do ministro.
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/pais/primeiro-dia-de-julgamento-do-mensalao-marcado-por-bate-boca-5665503#ixzz22UYRhfJi
Nenhum comentário:
Postar um comentário