Aprenda a falar a linguagem do outro
Homilia proferida em 09 de setembro de 2012, domingo
Evangelho: Marcos 7,31-37
Trouxeram então um homem surdo, que falava com dificuldade, e pediram que Jesus lhe impusesse a mão. Jesus afastou-se com o homem, para fora da multidão; em seguida, colocou os dedos nos seus ouvidos, cuspiu e com a saliva tocou a língua dele. Olhando para o céu, suspirou e disse: "Efatá!", que quer dizer: "Abre-te!" Imediatamente seus ouvidos se abriram, sua língua se soltou e ele começou a falar sem dificuldade. Marcos 7,31-37
A neurolinguística é uma nova ciência com a qual, entre tantas outras coisas, aprendemos que um excelente aluno consegue ouvir apenas 30% de uma aula. Numa palestra ou numa homilia o máximo que as pessoas normalmente captam é 11,4%, o resto é perdido. Então, não somos tão bons ouvintes assim. Acho que não há nenhum Jesus por aqui para conseguir mudar esta realidade. Então, resta-nos aceitá-la. Quando vou a uma palestra, capto em média 7 ou 8% do conteúdo. Não sou um bom ouvinte.
Quando é que uma pessoa consegue ouvir melhor ou pior? É quando quem fala diz coisas que ela conhece, quando já aprendeu alguma coisa sobre determinado assunto é que consegue integrar o que é dito a mais naquilo que já sabe. Quando o assunto é novo, a pessoa vai tentar fazer com que se encaixe no que já sabe e então tentar aumentar o seu conhecimento. Se o assunto for totalmente desconhecido, não consegue fazer nenhum encaixe e, consequentemente, um minuto depois já terá esquecido o que foi dito. Então esse negócio de achar que, porque escutamos sobre alguma coisa, mudamos de vida, é um grande engano. Ninguém muda por meio de palavras de outra pessoa. Papai, mamãe e titio podem falar o que quiserem! Se a pessoa a quem falam não participa do universo de quem está falando, não vai entender nada.
Se o que gostaríamos de transmitir fizer parte do universo de quem nos escuta, será capaz de apreender, caso contrário, não será. Então, antes de nos dirigirmos ao outro ou de querermos dar uma lição ao outro, antes de querermos anunciar a Boa Nova, o Evangelho, precisamos transformar a nossa comunicação em linguagem que possa ser captada pelo outro. Este é o nosso grande desafio hoje.
O mundo de uma criança não é o mesmo mundo de um adulto. O mundo de um adulto é de 30, 40 anos atrás, enquanto o da criança é o de hoje. A linguagem da criança e aquilo que ela já incorporou à vida dela é totalmente diferente do que nós incorporamos. Nós, mais antigos, que tivemos como partida o mundo rural, somos capazes de captar o que é vaca, boi, ovelha, galinha, verdura, aipim, mandioca e etc. A criança de hoje incorpora primeiramente o que é asfalto, apartamento, cozinha, automóvel, celular, televisão, videogame e etc. O inicio da captação das imagens foi totalmente diferente, portanto, o que se pretende construir diante dessa realidade diferente depende da utilização de uma linguagem diferenciada.
Para mim, que venho de uma terra que utiliza outra linguagem, foi uma surpresa muito grande chegar à casa de alguém e a pessoa oferecer um cafezinho. Porque na minha terra, o que se faz quando alguém chega, é colocar na mesa uma vela e acender. Aqui no Brasil quando eu recebia as pessoas e acendia uma vela, elas achavam muito estranho, porque na região que eu morava aqui no Brasil, as pessoas utilizavam velas para os defuntos e não para acolher as visitas. Este é um exemplo de que a linguagem expressa o que temos dentro de nós.
Não adianta uma pessoa querer falar dos próprios valores na linguagem que só ela conhece, porque os filhos ou netos só conseguirão entender quando ela for capaz de traduzir para a linguagem deles. Caso contrário, não conseguirão entender de jeito nenhum e não porque não queiram, mas porque realmente não conseguem escutar.
Se quisermos cristianizar alguém, não podemos utilizar indistintamente os nossos métodos, pois eles não dizem nada às crianças nem aos jovens, porque o mundo e a linguagem deles é outra. Para cristianizar é preciso primeiro aprender a linguagem do outro. Então será possível esperar que captem 8 ou 10% do que dissermos.
Frai Vicente
Paróquia Santo Antônio
Brasília, DF
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