30/04/2013
às 6:45
Globo Online sugere que a Arábia Saudita caminha para a Luz, e a Igreja Católica, para as trevas. Desinforma, mas agrada a militância! Ou: Jornalistas das Organizações Globo podem fazer com “padre” Beto?
Vejam esta imagem do Globo Online da noite desta segunda:
É para lermos os dois títulos como um conjunto, embora remetam a textos distintos: “Arábia Saudita faz campanha contra violência machista; enquanto isso, Igreja excomunga em SP padre que defende amor entre bissexuais”. Vamos ver.
É uma peça de proselitismo político-ideológico. Como costuma acontecer nesses casos, busca-se a adesão, não o convencimento; trabalha-se com o choque, não com os fatos; apela-se à simplicidade máxima, não aos matizes. Em síntese: trata-se de propaganda, não de informação.
Vamos aos muitos erros. E começo pelo ex-padre. Alguém no Globo viu o que esse rapaz andou postando no YouTube quando ainda era padre? Sim, de fato, ele disse que não existe infidelidade quando marido e mulher mantêm relacionamentos extraconjugais abertos. Ele tem o direito de pensar isso, mas não como padre — porque, como padre, ele fala em nome da Igreja, e a visão da Igreja é outra. Beto também acha que maridos podem se apaixonar por outros homens, e mulheres, por outras mulheres. De novo: se todos souberem de tudo, não haveria o que reclamar. Sim, ele tem o direito de pensar isso, mas não como expressão — e um padre é isto! — da Igreja Católica. A razão é simples. Ela pensa outra coisa.
Vamos pegar o caso do Globo Online — que nem é uma Igreja, até onde se sabe. Por ali, algum jornalista pode escrever uma reportagem defendendo, deixem-me ver…, a luta armada? Isso mesmo: em nome da liberdade de expressão, um barbudinho recalcitrante qualquer mandaria ver: “A democracia já evidenciou ser uma falácia das elites para reproduzir a exclusão. Chegou a hora de tomarmos nas mãos o nosso destino. E terá de ser pela via armada”. Pode??? Ou, deixem-me ver, um jornalista da TV Globo poderia fazer, em um de seus programas, um editorial em favor do “controle social da mídia”? Que tal? Por que não?
Felizmente, e espero que nem o Globo nem a Globo mudem a orientação, nada disso é possível. Como o jornal é favorável à democracia representativa, salvo engano, jornalistas que defendam a luta armada não escrevem por ali — não em favor da luta armada ao menos. Como a Globo, felizmente, defende a liberdade de opinião — dentro dos parâmetros do regime democrático —, não teremos de assistir, na emissora, a editoriais em favor da censura.
Mais: a Globo e o Globo têm manuais de redação e princípios de ética jornalística. Suponho que não possam ser transgredidos e ignorados por seus profissionais. Quem o fizer acabará, isto é metáfora, “excomungado”. E assim porque as Organizações Globo são reacionárias? Não! Porque são empresas privadas que se orientam segundo determinados fundamentos. Só pertence ao grupo quem quer e quem o grupo quer. Suponho que se admita por ali que a milenar Igreja Católica também tem o direito de fazer algumas exigências a quem pertence à sua hierarquia.
Erro específico
O tal Beto não foi excomungado da Igreja por defender o amor entre bissexuais. É mentira! Em reiteradas entrevistas, ele deixou claro só cumprir as orientações com as quais concorda. Aquelas de que discordava, ele ignorava — anunciando isso. Mais: o dito-cujo usava o púlpito para fazer suas pregações. Fico cá a imaginar um âncora de um dos programas da Globo a esculhambar, no ar, os princípios que orientam a empresa. Tudo em nome da “liberdade de expressão”! Seria aceitável?
Arábia Saudita
Em poucos países do mundo a desigualdade de direitos entre homens e mulheres é tão grande como na Arábia Saudita. Atenção! Isso não quer dizer que as condições de vida da mulher saudita estejam entre as piores do mundo! O wahabismo, variante do islamismo sunita vigente no país, faz com que as mulheres sejam, por lei, tuteladas por homens: pais, maridos, irmãos. Não faz tempo, ficamos sabendo que uma mulher foi punida por dirigir um automóvel. Elas não podem sair às ruas sem a companhia de um responsável.
Muito bem. Um grupo de sauditas deu início a uma campanha — ATENÇÃO!!! — não em favor da igualdade entre homens e mulheres (isso é impensável!), mas CONTRA O ESPANCAMENTO das pobres-coitadas! Faz sentido?
Por mais que haja um esforço mundial para esconder o que está no Al Corão e mais ainda para provar que o Profeta era mais generoso com as mulheres do que o judaísmo ou o cristianismo, o fato inequívoco é que a Sura 4:34 autoriza que o marido bata na sua mulher. Se ela não for obediente, ele deve, primeiro, admoesta-la; na segunda vez, abandonar o leito; na terceira, bater.Verifique você mesmo, se quiser, numa página islâmica.
Um líder religioso sunita do Baherin, ali pertinho da Arábia Saudita, explicou que isso tem de ser feito com método, tá pessoal? Pode bater, sim, mas sob certas condições. Assim. Volto depois.
Volto ao texto do Globo
Atenção! A palavra “machista” é algo que faz sentido no mundo ocidental, na nossa cultura. Na Arábia Saudita, há não mais do que um grupo que resolveu se manifestar contra a agressão física às mulheres. Uma campanha antimachista, convenham, teria como horizonte a igualdade entre os sexos. Ou por outra: não teve inicio uma “Primavera Feminista” na Arábia Saudita. Lembro que havia punição no Brasil para senhores que exageravam no castigo físico aos escravos. E eles não eram abolicionistas.
O que a peça editorial do Globo Online sugere é que a Arábia Saudita passaria por um momento iluminista, enquanto a Igreja Católica, por uma fase obscurantista. O iluminismo, então, no país árabe estaria numa inédita campanha contra o “machismo” (ISSO É FALSO!!!), e as trevas católicas se revelariam da excomunhão de um padre favorável ao bissexualismo (FALSO TAMBÉM).
Assim, duas distorções — sobre a Igreja e sobre a Arábia Saudita — produziram um terceira: uma suposta Arábia Saudita a caminho das Luzes e uma suposta Igreja a caminho das trevas.
Texto publicado originalmente às 3h35
Por Reinaldo Azevedo
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