- MÊS DE MAIO DE 2014
- MEMÓRIAS DA IRMÃ LÚCIA
(08) RETRATO DE JACINTA Continuação
9 Amor aos pecadores.
A Jacinta tomou, tanto a peito os sacrifícios pela conversão dos pecadores, que não deixava escapar ocasião alguma.
Havia umas crianças, filhos de duas famílias da Moita, que andavam pelas portas a pedir.
Encontrámo-las, um dia, quando íamos com o nosso rebanho.
A Jacinta, ao vê-los, disse-nos :
- Damos a nossa merenda àqueles pobrezinhos, pela conversão dos pecadores ?
E correu a levar-lha.
Pela tarde, disse-me que tinha fome.
Havia ali algumas azinheiras e carvalhos.
A bolota estava ainda bastante verde, no entanto disse-lhe que podíamos comer dela
O Francisco subiu a uma azinheira para encher os bolsos, mas a Jacinta lembrou-se que podíamos comer da dos carvalhos, para fazer o sacrifício de comer a amarga.
E lá saboreámos, aquela tarde, aquele delicioso manjar !
A Jacinta tomou este por um dos seus sacrifícios habituais.
Colhia as bolotas dos carvalhos ou a azeitona das oliveiras.
Disse-lhe um dia :
- Jacinta, não comas isso, que amarga muito.
- Pois é por amargar que o como, para converter os pecadores.
Não foram só estes os nossos jejuns.
Combinámos, sempre que encontrássemos os tais pobrezinhos, dar-lhes a nossa merenda; e as pobres crianças, contentes com a nossa esmola, procuravam encontrar-nos pelo caminho.
Logo que os víamos, a Jacinta corria a levar-lhes todo o nosso sustento desse dia, com tanta satisfação, como se não lhe fizesse falta.
Era, então, o nosso sustento, nesses dias : pinhões, raízes de campainhas (é uma florzinha amarela que tem na raiz uma bolinha do tamanho duma azeitona), amoras, cogumelos e ums coisas que colhíamos na raiz dos pinheiros, que não me lembro agora como se chamam; ou fruta, se a havia perto, em alguma propriedade pertencente a nossos pais.
A Jacinta perecia insaciável na prática do sacrifício.
Um dia, um vizinho ofereceu a minha Mãe uma boa pastagem para o nosso rebanho; mas era bastante longe e estávamos no pino do Verão.
Minha Mãe aceitou o oferecimento feito com tanta generosidade e mandou-nos para lá.
Como havia perto uma lagoa, onde o rebanho podia ir beber, disse-me que era melhor passarmos lá a sesta, à sombra das árvores.
Pelo caminho, encontrámos os nossos queridos pobrezinhos e a Jacinta correu a levar-lhes a esmola.
O dia estava lindo, mas o sol era ardente; e naquela pregueira árida e seca, parecia querer abrasar tudo.
A sede fazia-se sentir e não havia pinga d'água para beber !
A princípio, oferecíamos o sacrifício com generosidade pela conversão dos pecadores; mas, passada a hora do meio-dia, não se resistia.
Propus, então, aos meus companheiros, ir a um lugar, que ficava cerca, pedir uma pouca de água.
Aceitaram a proposta e lá fui bater à porta duma velhinha que, ao dar-me uma infusa com água, me deu também um bocadinho de pão que aceitei com reconhecimento e corri a distribuir com os meus companheiros.
Em seguida, dei a infusa ao Francisco e disse-lhe que bebesse.
- Não quero beber respondeu.
- Porquê ?
- Quero sofrer pela conversão dos pecadores !
- Bebe tu, Jacinta !
- Também quero oferecer o sacrifício pelos pecadores !
Deitei, então, a água em a cova duma pedra, para que a bebessem as ovelhas e fui levar a infusa à sua dona.
O calor tornava-se cada vez mais intenso.
As cigarras e os grilos juntavam o seu cantar ao das rãs da lagoa vizinha e faziam uma grita insuportável.
A Jacinta, debilitada pela fraqueza e pela sede, disse-me, com aquela simplicidade que lhe era habitual :
- Diz aos grilos e às rãs que se calem ! Dói-me tanto a minha cabeça !
Então o Francisxco perguntou-lhe :
- Não queres sofrer isto pelos pecadores ?
A pobre criança, apertando a cabeça entre as mãzinhas, respondeu :
- Sim, quero, deixa-as cantar.
Nascimento
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