Blog do Angueth
Quinta-feira, Julho 26, 2012
Apontamentos acerca de um artigo de Olavo de Carvalho.
O interessantíssimo artigo de que me ocupo é O Apóstolo e seus leitores. O que se discute lá é o conceito de natural e antinatural em São Paulo, sobretudo em referência a Rom 1:27.
Quem leu – e como eu, apreciou – o artigo e, além disso, é católico, talvez gostasse de saber o que Santo Tomás pensa a respeito do mesmo assunto. Sabe-se que este santo escreveu copiosos comentários às Escrituras e sabe-se também que suas interpretações teológicas foram acolhidas pela Igreja como pertencentes à Tradição, principalmente depois do Concílio de Trento. Todos os papas depois disso, até Pio XII, têm como referência os escritos de Santo Tomás como pertencentes ao Depósito da Fé.
Tenhamos como referência dois versículos: Rom 1:26-27. Eles dizem: Por isso é que Deus os entregou em poder de paixões ignominiosas: suas mulheres mudaram o uso natural no que é contra a natureza. Do mesmo modo os homens, também, deixando o uso natural da mulher, arderam de libido uns pelos outros, praticando torpezas homens com homens. E assim receberam em si mesmos a retribuição devida aos seus desvarios.
O aquinate diz, em seus Comentários à Epístola aos Romanos,[1] na aula 8, §148 e seguintes:[2]
§148. Então quando ele diz suas mulheres mudaram, ele explica sua afirmação. Primeiramente, acerca da mulher; depois acerca dos homens, no trecho Do mesmo modo os homens, também.
§149. Ele diz, portanto, em primeiro lugar: a razão pela qual eu digo que eles se entregaram a paixões ignominiosas é que suas mulheres mudaram o uso natural no que é contra a natureza: “E não nos ensina a própria natureza?” (1 Cor 11:14); “porque transgrediram as leis, mudaram o direito, romperam a aliança eterna,” i.e., a lei natural. (Is 24:5).
Deve-se notar que algo é contra a natureza do homem de dois modos: contra a natureza do que constitui homem, i.e., a racionalidade. Desse modo, cada pecado é considerado contra a natureza do homem, na medida em que é contra a razão reta. Assim, Damasceno diz que um anjo em pecado se transformava, do que estava de acordo com a natureza, no que é contrário à natureza. De outro modo, algo é contra a natureza do homem por seu gênero, que é animal. Ora, é óbvio que segundo a intenção da natureza, a união sexual nos animais é ordenada ao ato de geração: assim, cada forma de união da qual uma geração não pode advir é contra a natureza do animal enquanto animal. Nesta mesma linha, é afirmado, numa glosa, que “o uso natural é que um homem e uma mulher se unam numa única cópula, mas é contra a natureza que um homem corrompa um homem, ou uma mulher, uma mulher.” O mesmo é verdadeiro de cada ato de intercurso do qual uma geração não possa advir.
§150. Então, quando ele diz, Do mesmo modo os homens, também, ele explica acerca dos machos, que Do mesmo modo os homens, também, deixando o uso natural da mulher, arderam, i.e., cobiçaram algo além da intenção da natureza: “Chamejaram como fogo em espinhos” (Sl 117:12); e isto de libido, i.e., desejos da carne, praticando torpezas homens com homens: “descobrirei a tua ignomínia diante deles e verão toda a tua torpeza.”(Ez 17:37).
§151. Então ele mostra que a punição é adequada à culpa deles, quando ele diz, E assim receberam em si mesmos, i.e., na deformação da sua natureza, a retribuição devida aos seus desvarios, i.e., o erro de trocar a lei de Deus por uma mentira; a retribuição devida, i.e., a retribuição que mereceram receber segundo a ordem da justiça que exige que aqueles que insultam a natureza de Deus por atribuírem às criaturas o que é somente d’Ele, devem ser insultados em sua própria natureza.
Embora o termo “retribuição” pareça implicar algo bom, aqui ele é usado para qualquer compensação, mesmo para o mal: “...o salário do pecado é a morte” (Rom 6:23); “...e tudo que ela [casa de Israel] tem ganhado será queimado pelo fogo” (Miq 1:7).
Deve-se notar que o Apóstolo considera, com razão, os vícios contra a natureza, que são os piores vícios carnais, como punições por idolatria, porque eles parecem ter começado como idolatria, particularmente, no tempo de Abraão, quando, acredita-se a idolatria surgiu. Esta parece ser a razão dos primeiros registros de punição a tais vícios, ocorrida com o povo de Sodoma (Gen 19). Ademais, à medida que a idolatria ser tornava mais difundida, estes vícios aumentavam. Assim, está escrito, em 2 Mac 4:12, que Jasão “...fundou um ginásio debaixo da acrópole, obrigando os mais nobres jovens a ser educados sob o pétaso,” i.e., colocou-os em bordéis. Mas isso não era o começo, mas um crescimento e progressão dos costumes pagãos.
Bem, este trecho dos comentários de Santo Tomás dá uma boa ideia do que devemos considerar natural e antinatural, e em que perspectiva, se formos católicos. Daí se vê que o conceito paulino de natureza está mesmo longe de um conceito dito científico, como afirma o prof. Olavo de Carvalho.
As epístolas paulinas se tornaram o centro de um debate interminável, principalmente depois da Reforma. Isto já tinha sido antevisto por São Pedro, o primeiro Papa, quando ele diz em 2 Pd 3:15-17: “Assim vos escreveu o nosso caríssimo irmão Paulo, segundo a sabedoria que lhe foi dada, falando-vos dessas coisas, como faz também em todas as suas epístolas. Nelas há, porém, algumas coisas difíceis de compreender, que as pessoas pouco instruídas e pouco firmes deturpam, como fazem também com as outras Escrituras, para sua própria ruína. Portanto, vós, caríssimos, assim prevenidos, acautelai-vos para não vos deixardes arrastar ao erro dos ímpios e destarte cairdes da vossa firmeza.” (Negrito meus)
As duas frases-chave para o entendimento tomista da passagem da encíclica paulina é, no meu entender: “Deve-se notar que algo é contra a natureza do homem de dois modos: contra a natureza do que constitui homem, i.e., a racionalidade; e contra a natureza do homem por seu gênero, que é animal.”
Penso que seja nesta perspectiva que um católico deve refletir sobre o homossexualismo.
[1] Que ele escreveu como apontamentos para suas aulas sobre as Escrituras.
[2] Traduzo aqui do inglês.
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Postado por Antônio Emílio Angueth de Araújo às 07:00
http://angueth.blogspot.com.br/2012/07/apontamentos-acerca-de-um-artigo-de.html
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