A graça santificante é um dom criado que Deus se digna conceder à alma do justo, a fim de o tornar filho adotivo de Deus (cf. 1 Jo 3,1-3); habilita-o assim a produzir, dentro da sua capacidade de criatura, os atos de conhecimento e amor do próprio Deus. Por esse dom o homem vem a ser realmente consorte da natureza divina (cf. 2 Pdr 1,4), templo do Espírito Santo (cf. 1 Cor 3,16) ou da Ssma. Trindade (cf. Jo 14,23).
Em linguagem metafórica, pode-se dizer que a graça santificante é um hábito ou uma veste que recobre a substância da alma, dando-lhe uma entidade nova, um ser sobrenatural. Esse ser novo há de ter suas faculdades de agir, paralelas às faculdades de agir da alma na ordem natural. Por isto a graça santificante é sempre comunicada ao homem juntamente com as virtudes infusas, dentre as quais se destacam a fé e a caridade. A fé é um dom outorgado à inteligência para que esta possa conhecer a Deus como Deus conhece a Si ; a caridade é dom que se localiza na vontade, fazendo que o homem possa amar a Deus e às criaturas como Deus ama. Consequentemente, diz-se que, pela graça santificante e as virtudes da fé e da caridade, Deus prolonga sua vida no justo; as processões intra-trinitárias se estendem ao cristão: Deus Pai gera nele o seu Verbo ou Filho, servindo-se dos atos de fé sobrenatural desse justo ; Deus Pai e Deus Filho fazem proceder nele o Amor, servindo-se para isto dos atos de amor sobrenatural dessa criatura. O valor da graça aparece nitidamente se é considerado dentro do seguinte quadro :
A pedra tem analogia com Deus na medida em que ela é ou existe (Deus é o Ser por excelência); a planta tem analogia com Deus na medida em que ela vive (Deus é a Vida por excelência); o homem e o anjo, por sua natureza, têm analogia com Deus na medida em que possuem inteligência (Deus é a primeira Inteligência).
Pois bem ; acima da natureza angélica coloca-se o dom da graça santificante, que confere à criatura semelhança com Deus enquanto é Deus mesmo, ou com Deus no mistério da sua vida íntima. Pode-se, pois, dizer que, acima dos reinos da natureza (reino mineral, vegetal, animal, humano e angélico), está o Reino de Deus, constituído pela vida íntima do Todo-Poderoso e pela participação dessa vida outorgada, mediante a graça santificante, às almas dos justos e aos anjos bons.
Esta escala nos dá a ver que um só ato de amor sobrenatural a Deus emitido ocultamente por uma velhinha ou uma alma simples no canto de uma igreja mais vale do que todas as maravilhas da natureza reunidas; Deus se compraz mais nesse ato do que na existência dos espaços cósmicos com seus esplendores deslumbrantes.
À luz desta doutrina entendem-se os adágios : «O reino dos céus é a alma do justo» e «A graça é a semente da glória». Com efeito, a glória celeste já começa embrionariamente na terra pela posse da graça santificante; esta tende a mais e mais se desenvolver, penetrando as faculdades da alma até o âmago, de sorte que, ao terminar a sua peregrinação terrestre, o justo vê irromper de sua alma a fonte da eterna felicidade; a vida de Deus está depositada no seu íntimo desde agora; não é preciso que espere a morte para a receber.
Oxalá tivessem os cristãos consciência um pouco mais profunda do "tesouro que trazem em vasos de argila" (cf. 2 Cor 4,7) !
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