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De: MDV <mdv@defesadavida.com.br>
Data: 5 de setembro de 2012 10:39:45 BRT
Para: "'Grupomdv'" <mdv@yahoogrupos.com.br>
Assunto: [mdv] Novo Código Penal é obscenidade, não tem conserto - Miguel Reale Júnior
Responder A: mdv-owner@yahoogrupos.com.br
ConJur " Foi para diminuir as penas das condenações?
Miguel Reale " Pelo contrário, as penas são elevadíssimas! E para fatos irrelevantes. "Artigo 394: omissão de socorro para animal." A qualquer animal. Se você passa e encontra um animal em estado de perigo e não presta socorro a esse animal, sem risco pessoal, sabe qual é a pena? De um a quatro anos. Agora, omitindo socorro a criança extraviada, abandonada ou pessoa ferida, sabe qual a pena? Um mês. Ou seja, a pena por não prestar socorro a um animal é 12 vezes maior do que a pena de não prestar socorro a uma pessoa ferida. Outro exemplo: pescar ou molestar cetáceo. Sabe qual é a pena? Dois a quatro anos. Mas se você molestar um filhote de cetáceo, é três anos. Se você só pesca o cetáceo é dois, mas se o cetáceo morre, passa para quatro anos. Você vai pescar para quê? Para colocar a baleia no aquário dentro de casa?
ConJur " O desinteresse do governo é aberto?
Miguel Reale " Não. Eu tive notícias de que o Executivo não teria interesse porque sabe dos comprometimentos, das ausências técnicas que estão presentes nesse projeto.
Falhas conceituais
"Novo Código Penal é obscenidade, não tem conserto"
Por Pedro Canário e Marcos de Vasconcellos
http://www.conjur.com.br/2012-set-02/entrevista-miguel-reale-junior-decano-faculdade-direito-usp
De todas as atividades que Miguel Reale Júnior já desempenhou na vida, a que melhor o define, e que exerceu por mais tempo, é a de professor. É livre-docente da Universidade de São Paulo desde 1973 e professor titular desde 1988. Foi lá também que concluiu seu doutoramento, em 1971. Tudo na área do Direito Penal.
Fora das salas de aula, foi ministro da Justiça de Fernando Henrique Cardoso, secretário estadual de Segurança Pública de São Paulo durante o governo de Franco Montoro (1983-1987), presidente da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos desde sua criação até 2001 e presidente do PSDB. Mas é a versão "professor" que o jurista mais deixa aflorar nesta primeira parte da entrevista concedida à revista Consultor Jurídico no dia 21 de agosto.
O texto do anteprojeto de reforma do Código Penal, elaborado por uma comissão de juristas nomeada pelo Senado, recém-enviado ao Congresso, é hoje o alvo preferido do penalista. O projeto é uma obscenidade, é gravíssimo, diz. Para ele, os juristas chefiados pelo ministro Gilson Dipp, do Superior Tribunal de Justiça, não estudaram o suficiente. Não têm nenhum conhecimento técnico-científico, dispara.
Segundo o professor, faltou experiência à comissão. Tanto no manejo de termos técnicos e científicos quanto na elaboração de leis. Entre os erros citados, o mais grave, para Reale Júnior, foi a inclusão de doutrina e termos teóricos e a apropriação, segundo ele, indiscriminada, da lei esparsa no código. Não tem conserto. Os erros são de tamanha gravidade, de tamanha profundidade, que não tem mais como consertar.
Leia a primeira parte da entrevista:
ConJur " Qual sua avaliação do projeto de reforma do Código Penal?
Miguel Reale Júnior " É uma obscenidade, é gravíssimo. Erros da maior gravidade técnica e da maior gravidade com relação à criação dos tipos penais, de proporcionalidade. E a maior gravidade de todas está na parte geral, porque é uma utilização absolutamente atécnica, acientífica, de questões da maior relevância, em que eles demonstram não ter o mínimo conhecimento de dogmática penal e da estrutura do crime.
ConJur " Onde isso aconteceu?
Miguel Reale " Basta ler. Para começar, no primeiro artigo. Está escrito lá: Legalidade. Não há crime sem lei anterior. É anterioridade da lei penal! Não existe lei anterior. E eles põem a rubrica de penal na legalidade. Nas causas de exclusão da antijuridicidade, eles colocam exclusão do fato criminoso, como se fossem excluir um fato naturalístico. Não é o fato criminoso que desaparece, é a ilicitude que desaparece. É ilógico. De repente, desaparece o fato. Veja o parágrafo 1º: Também não haverá fato criminoso quando cumulativamente se verificarem as seguintes condições: mínima ofensividade, inexpressividade da lesão jurídica. Mas uma coisa se confunde com a outra.
ConJur " Onde esses erros interferem?
Miguel Reale " Na parte do princípio da insignificância, da bagatela, colocam lá como exclusão do fato criminoso. E o que se conclui? Que é quando a conduta é de pequena ofensa ou que a lesão seja de pequena mora. Ofensividade e lesividade, para os autores que interpretam, são coisas diferentes. Tem de ter as duas, a ofensividade e a lesividade. E colocam no projeto também como condição, em uma linguagem coloquial, reduzidíssimo. Instituiu-se o direito penal coloquial. Reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento. Grau de reprovabilidade reduzidíssimo. A reprovabilidade é da culpabilidade, não tem nada a ver com a antijuridicidade. Que haja um reduzidíssimo grau de reprovação, que isso é uma matéria da culpabilidade, não tem nada a ver com exclusão da antijuridicidade, que erroneamente eles chamam de fato criminoso.
ConJur " O que quer dizer "reduzidíssimo"?
Miguel Reale " Boa pergunta. O que é reduzidíssimo? Grau de reprovabilidade? A reprovabilidade é elemento da culpabilidade, é o núcleo da culpabilidade, da reprovação. Não é antijuridicidade, não é ilicitude. Estado de necessidade. Considera-se em estado de necessidade quem pratica um fato para proteger bem jurídico. Bem jurídico é o núcleo, é o valor tutelado da lei penal. Ele não sabe o que é bem jurídico? Não é bem jurídico, é direito! Bem jurídico é um termo técnico. Qual é o bem jurídico tutelado pela norma? O juiz vai procurar saber qual é o bem jurídico. O bem jurídico é a vida, por exemplo. Bem jurídico é um conceito dogmático geral, é um valor tutelado por um direito. O que isso mostra? Falta de conhecimento técnico científico de direito jurídico.
ConJur " Faltou conhecimento?
Miguel Reale " Faltou estudar. Falta conhecer, manobrar, manejar os conceitos jurídicos. É isso que preocupa. E tem muitas teorias. Então, vamos em determinado autor, como a teoria do domínio do fato. É uma determinada teoria. Não pode fazer teoria no código. Mas existem coisas aqui que realmente ficam...Por exemplo: considera-se autor. Vamos ver se é possível entender essa frase: Os que dominam a vontade de pessoa que age sem dolo atipicamente. Isso aqui é para ser doutrina. "Atipicamente." Dominam a vontade de pessoa que age sem dolo "atipicamente". Trata-se de alguém que está sob domínio físico, como uma pessoa com uma faca no pescoço. Ou quem é coagido. Usaram uma linguagem que você tem que decifrar. "Dominam a vontade de pessoa que age sem dolo". Como sem dolo? "Justificada" é quem vai e atua em legítima defesa, não tem nada a ver com falta de dolo. Não é dolo. Então, é agir sem dolo de forma justificada? Isso não existe! Não se concebe isso porque são conceitos absolutamente diversos e diferentes.
ConJur " São erros banais?
Miguel Reale " Banais. Em suma, trouxeram toda a legislação especial sem se preocupar em melhorar essa legislação esparsa que estava aí, extravagante, que tinha erros manifestos já anotados pela crítica e transpõe sem mudar nada. Crimes financeiros, crimes ambientais. Eu defendo que a lei dos crimes ambientais foi a pior lei brasileira. Mas esse projeto ganha por quilômetros...
ConJur " A Lei de Crimes Ambientais é tão ruim?
Miguel Reale " Ela diz que a responsabilidade da pessoa jurídica só ocorrerá se houver uma decisão colegiada pela conduta criminosa, cometida por decisão do seu representante legal ou por ordem do colegiado, em interesse e benefício da entidade. Mas a maior parte dos crimes ambientais são culposos, os mais graves. Quando vaza petróleo na Chevron, por exemplo, não houve uma decisão: Vamos estourar o cano aqui e destruir ecossistemas... Pela lei, precisa haver uma decisão de prática do delito. Deixar escrito: Vamos praticar o delito. No projeto de Código Penal, eles reproduzem a lei ambiental, mas têm a capacidade, que eu mesmo imaginava inexistente, de aumentar ainda mais as tolices.
ConJur " Por que aconteceram erros tão graves?
Miguel Reale " Não sei. Há pessoas até muito amigas, mas que não têm experiência na área efetivamente acadêmica ou experiência legislativa. Eles não conhecem teoria do Direito. Estão trabalhando com teoria do Direito com absoluto desconhecimento técnico.
ConJur " Como foi escolhida a comissão?
Miguel Reale " Foi o Sarney. Foram pessoas conhecidas, do Sergipe, de Goiás. É o "Código do Sarney", porque daqui a pouco acaba o mandato dele, mas o código criado por ele precisa perdurar. O que mais me impressiona é a forma como isso foi feito.
ConJur " Qual foi?
Miguel Reale " Foi picotado. Tanto que na exposição de motivos, cada artigo vem assinado por uma pessoa. Não houve trabalho conjunto sistemático, não houve meditação. Eu participei de várias comissões legislativas. O trabalho que dá é você pôr a cabeça no travesseiro, pensar, trocar ideias, fazer reuniões, brigar.
ConJur " Falhas teóricas prejudicam os méritos do texto?
Miguel Reale " Seria uma vergonha para a Ciência Jurídica Brasileira se saísse um código com erros tão profundos. Quando você acha que encontrou um absurdo, leia o artigo seguinte. O artigo 137 prevê que a pena para difamação vai de um a dois anos. Já o artigo 140 diz que se a difamação for causada por meio jornalístico, a pena é o dobro. A Lei de Imprensa, que foi declarada inconstitucional, e era considerada dura demais, previa que a pena para isso era de três meses!
ConJur " O texto recebeu elogios.
Miguel Reale " Os elaboradores é que falaram bem! Fizeram um Código Penal que jornalista gosta. Punham no jornal e se valiam dos meios de comunicação do STJ ou do Senado para agitar a imprensa. Quem é que falou bem? Qual foi o jurista que falou bem? Até porque não se conhecia o projeto, só se conhecia por noticia de jornal. Isso que eu estou dizendo sobre o fato criminoso é gravíssimo. Mas tem erros que já estavam incluídos nos dados preparatórios, como o nexo de causalidade. Eles vão mexer em termos que estavam consagrados no Direito, que ninguém.
ConJur " Não estavam em pauta?
Miguel Reale " Não estavam em pauta, já estavam consolidadas no Código Penal. Não é uma coisa para ser mexida, nós mesmos não mexemos em 1984, quando fizemos a reforma da parte geral. Mexemos na parte do sistema de penas, mas eles acabaram com o livramento condicional sem justificativa.
ConJur " Foi para diminuir as penas das condenações?
Miguel Reale " Pelo contrário, as penas são elevadíssimas! E para fatos irrelevantes. "Artigo 394: omissão de socorro para animal." A qualquer animal. Se você passa e encontra um animal em estado de perigo e não presta socorro a esse animal, sem risco pessoal, sabe qual é a pena? De um a quatro anos. Agora, omitindo socorro a criança extraviada, abandonada ou pessoa ferida, sabe qual a pena? U
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