A vontade de Deus para nós
Naqueles dias, Maria partiu para a região montanhosa, dirigindo-se, apressadamente, a uma cidade da Judeia. Entrou na casa de Zacarias e cumprimentou Isabel. Quando Isabel ouviu a saudação de Maria, a criança pulou no seu ventre e Isabel ficou cheia do Espírito Santo. Com um grande grito exclamou: “Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre! Como posso merecer que a mãe do meu Senhor me venha visitar? Logo que a tua saudação chegou aos meus ouvidos, a criança pulou de alegria no meu ventre. Bem-aventurada aquela que acreditou, porque será cumprido o que o Senhor lhe prometeu”. Lucas 1,39-451
Irmãos: Ao entrar no mundo, Cristo afirma: “Tu não quiseste vítima nem oferenda, mas formaste-me um corpo. Não foram do teu agrado holocaustos nem sacrifícios pelo pecado. Por isso eu disse: ‘Eis que venho. No livro está escrito a meu respeito: Eu vim, ó Deus, para fazer a tua vontade’”. Depois de dizer: “Tu não quiseste nem te agradaram vítimas, oferendas, holocaustos, sacrifícios pelo pecado” – coisas oferecidas segundo a Lei –, ele acrescenta: “Eu vim para fazer a tua vontade”. Com isso suprime o primeiro sacrifício, para estabelecer o segundo. É graças a esta vontade que somos santificados pela oferenda do corpo de Jesus Cristo, realizada uma vez por todas. Hebreus 10,5-10
São Paulo, na segunda leitura, afirma que Jesus não deseja sacrifícios, mas que façamos a vontade do Pai. É preciso não confundir vontade do Pai com sacrifício, pois são duas coisas diferentes. Costumamos associar a aproximação a Deus com o sacrifício, porém esta automatização não está no Evangelho, nem no Novo Testamento. É no Antigo Testamento que o sacrifício era confundido com a obediência a Deus. No Novo Testamento essas duas coisas são bem distintas.
Vir à missa aos domingos para celebrar o sacrifício de Jesus Cristo não significa necessariamente fazer a vontade de Deus. Talvez neste momento devêssemos estar em outro lugar. Quem pode nos assegurar que Deus queira que estejamos aqui? No máximo podemos achar que seja óbvio que Ele queira, mas como saber que se é realmente óbvia esta vontade de Deus?
Aos 3 ou 4 anos de idade foi colocado na nossa cabeça que Deus é isso, ou aquilo, e que fazer isso, ou aquilo, é agir conforme a vontade de Deus. Assim nos ensinaram os seres humanos: pai, mãe, gente muito boa. Adotamos durante o resto da vida a crença a nós passada desde a primeira infância, e acreditamos que se seguirmos essas instruções, seremos bons cristãos e então continuamos a obedecer à tradição transmitida por nossos pais, mesmo sem saber se esta contempla a verdadeira vontade de Deus.
Jesus brigou com os saduceus, com os fariseus e com os religiosos da época, que apresentavam exatamente este comportamento, ou seja, que preservavam a tradição dos antigos por acreditarem que, dessa maneira, estavam fazendo a vontade de Deus.
Durante a semana passada, várias leituras feitas nas missas esclarecem que a vontade de Deus não tem nada a ver com tradição. Quatro leituras do Antigo Testamento nos apresentam mulheres estéreis que a partir de certo momento da vida receberam a visita de um anjo, conforme a linguagem mítica da Bíblia, que as transformou em mulheres férteis das quais nasceram Sanção, João Batista e o próprio Jesus. A vontade de Deus não se manifesta por meio da tradição nem dos bons costumes, mas por meio da entrega. É muito esquisita essa vontade de Deus.
Soube que uma senhora com mais ou menos setenta anos de idade teve um filho. Não podemos afirmar que uma situação dessa não seja esquisita. Aos cinquenta anos de idade ainda nos parece aceitável, mas aos setenta já nos parece absurdo. A vida nos apresenta situações como esta, para nos mostrar que a vontade de Deus não é corriqueira, nem segue o curso da história. Deus ao se manifestar na vida de uma pessoa sempre exige algo que esta não imagina ser possível. A ação de Deus nunca nos parece comum, embora esteja sempre em conformidade com a Sua criação.
Quando Deus se apresenta ao ser humano nunca é primeiramente para engrandecê-lo, mas para chamá-lo a uma missão que é incômoda. Foi muito incômoda para todas as mulheres e homens a transformação pela qual tiveram que passar. As transformações são sempre rejeitadas pelo povo, uma vez que este leva de 100 a 200 anos para entendê-las.
É engano alguém afirmar que recebeu uma graça divina, fruto da própria vontade. Certamente não é graça divina o que alguém consegue por vontade própria, talvez consequencia psíquica ou coisa parecida. Todos nós podemos ter sonhos esquisitos de vez em quando. Porém o sonho com o anjo da vontade de Deus sempre traz muitos incômodos. Maria não deve ter ficado tão feliz quanto imaginamos quando soube que seria mãe e, consequentemente, correria o risco de ser apedrejada, uma vez que naquela época uma mulher que engravidasse fora do casamento ou fosse pegada em adultério seria apedrejada, assim como em alguns lugares ainda hoje é adotada essa prática. É provável que Maria não tenha pulado de alegria logo que recebeu a graça divina, deve ter sofrido muito com a situação, mas com seriedade encarou a vontade de Deus. Nenhum dos nossos sonhos incômodos nos levou a consequências desta natureza. Não basta sonhar com anjos para que se possa aceitar tudo naturalmente sem problema algum no contexto de uma sociedade fechada a esse tipo de realidade.
É preciso não banalizar tanto as intervenções divinas nem entender Deus como supermercado, cuja moeda de troca seja rezar 100 Ave Marias para que a graça aconteça. Diante do chamado divino é preciso entregar a própria vida, assim como Cristo se entregou à cruz e foi difamado, considerado apóstata e impostor por pessoas que realmente acreditavam que ele fosse tudo isso.
Atualmente a realidade do nascimento de Jesus foi transformada numa festa bonitinha, com todo mundo junto se amando e se abraçando, que lindo! Mas religião é algo muito sério e fé é algo mais sério ainda. Ter fé é se colocar diante de Deus e se dispor à Sua vontade. Não se trata de simplesmente cumprir rituais. Que neste Natal que se aproxima, criemos a ocasião para refletir sobre a vontade de Deus a nosso respeito e verifiquemos interiormente se é vontade de Deus que simplesmente cumpramos ritos ou se é que coloquemos a nossa própria existência a serviço da criação, para seja lá o que Deus quiser.
Palavras finais – Já que o mundo não acabou, aproveitemos a folga de fim de ano para refletir sobre a vontade de Deus para nós. Feliz Natal para todos.
Frei Vicente – Paróquia Santo Antonio – Brasília, DF
catolicosacaminho-unsubscribe@yahoogroups.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário