maos"Qual o valor científico da Quiromancia ?" "Será lícito, à luz da consciência cristã, consultar quiromantes ?"
A palavra «quiromancia» (do grego cheir, mão, e mantéia, adivinhação) significa a arte de descobrir, mediante o exame das características da mão (forma geral, linhas, protuberâncias, cavidades, etc.), o que diz respeito a determinado indivíduo no pretérito, no presente ou no futuro. Em sentido estritamente etimológico, o vocábulo designa apenas a predição do futuro; é, aliás, isto o que geralmente se procura nas consultas a quiromantes.
Distingue-se da quiromancia a «quirologia» ou «quirognomia», estudo da mão que tem a finalidade de descrever não propriamente o currículo de vida da pessoa, mas o seu temperamento ou caráter, seus traços psicológicos e até fisiológicos, excluída toda espécie de adivinhação, oráculos do alto, etc. A quirologia formula seus diagnósticos interpretando cada uma das características da mão como sinal de determinado traço da personalidade do sujeito. — A quirologia pode ser classificada como ciência, predicado este que não convém à quiromancia (ao menos no sentido antigo e clássico), pois esta entra muito nos setores da arte e da Religião.
Na antiguidade já o sábio grego Aristóteles (+322 a. C.) correlacionava as linhas da mão com a duração da vida do indivíduo. Contudo o grande mentor da quirologia foi, no século passado, o capitão D'Arpentigny mediante suas obras «Chirognomie». Paris 1856, e «La science de la main» 1855.
Para apreciar devidamente o estudo das mãos, consideraremos abaixo o seu histórico e os seus princípios doutrinários.
1. O histórico do estudo das mãos
As linhas da mão, desde remota antiguidade, têm. interessado os povos; quiromancia e quirologia costumavam outrora ser cultivadas simultaneamente. Refere-se, porém, que o filósofo Anaxágoras (+428 a. C.), o qual estudou as mãos de Péricles, Sócrates e Eurípides, distinguia uma da outra.
Em particular, os orientais estimavam a leitura das mãos como uma das fontes principais de conhecimento, e de conhecimento frequentemente tido como superior ou esotérico (reservado a iniciados). Na China a quiromancia parece ter sido praticada já por volta do ano 3000 a.C.; lá foram redigidos os primeiros documentos sobre o assunto, documentos que os médicos do país utilizavam para confirmar seus diagnósticos. Até nossos dias a quiromancia está em grande voga no próximo Oriente e no Egito, sendo praticada principalmente nos cafés, mercados e lugares públicos; os árabes a consideram como a técnica mais fácil para se prever o resultado de alguma iniciativa. Da Índia a quiromancia, por meio dos «dukkerippen» ou adivinhos profissionais hindus, espalhou-se por todo o Ocidente, cultivada geralmente pelos boêmios e «gipsies» ou ciganos, que fazem dessa profissão o seu ganha-pão.
No Ocidente cristão a quiromancia até a Alta Idade Média era tida como ciência esotérica, reservada a iniciados. No fim do período medieval caiu na conta de superstição, magia, bruxaria e charlatanismo. No século XVI, porém, os humanistas deram de novo grande prestígio ao estudo das mãos, destacando-se nesse setor os nomes de Paracelso, Cardano, Coclés, Achillini, Giovanni delia Porta; na França dos séc. XVI e XVII quase não havia personagem importante na corte régia ou nas cidades que não consultasse, ou mesmo protegesse contra adversários, o seu respectivo «adivinho da mão». Os escritores da época esforçavam-se por provar que o destino de cada indivíduo está determinado desde o seu nascimento...; não concordavam entre si, porém, na maneira de interpretar as linhas e notas características da mão, o que redundava em desabono de sua tese.
No séc. XIX é que tiveram início na Europa os estudos realmente sistemáticos de quiromancia, estudos encabeçados por D'Arpentigny e Desbarolles, e conduzidos pela razão mais do que pela mística. Até o início do séc. XX, porém, não gozavam de grande prestígio, pois os eruditos, assaz imbuídos de «cientificismo» e positivismo, tendiam a desprezar a quiromancia como se fosse mera função de estados neuróticos, histéricos ou de artifícios fraudulentos.
A titulo de ilustração, vai aqui citada a conclusão do artigo «Chiromancie» do «Grand Dictionnaire universel du XIX siècle» de Pierre Larousse (t. IV, pág. 146):
«Graças a esses dois reveladores (D'Arpentigny e Desbarolles), a quiromancia adquiriu nova voga. Dois homens que não eram destituídos de espírito, podem pois gabar-se de ter de novo lançado grande parte de seus contemporâneos nas práticas dos séculos da barbárie. Seja transitória a sua glória! Quanto a nós, não quiséramos ter a mínima parte nessa regressão tão deplorável quanto imprevista, e declaramos que só demos desenvolvimento à pretensa ciência dos quiromantes para mostrar aos nossos leitores tudo que ela tem de ridículo, e afastá-los, tanto quanto possível, dessa ciência estúpida professada por homens que chamaríamos charlatães se não estivéssemos persuadidos de que quiseram fazer uma brincadeira de mau gosto antes que vergonhosa exploração»
Nos últimos anos as opiniões têm mudado: há autores que, considerando noções recém adquiridas no setor da parapsicologia, da telepatia e da percepção extrassensorial, julgam que os fenômenos de quiromancia têm fundamento objetivo, podendo, ao menos em parte, ser considerados como manifestações do conhecimento paranormal (isto é, conhecimento ao lado do normal, não, porém, contrário a este ou anormal).
Após considerar as grandes idéias que nortearam e norteiam o estudo das mãos, procuraremos tomar posição diante da antiga e da nova formulação do problema.
2. As principais linhas doutrinárias da quiromancia
A quiromancia, na sua origem, supõe de certo modo as concepções que os antigos orientais nutriam a respeito do homem e do mundo, concepções que se poderiam assim reconstituir:
A terra ocupa o centro do universo. Na terra o centro de convergência de todos os elementos é o homem. Este constitui uma pequena síntese do mundo (microcosmos dentro do macrocosmos), de sorte que as peripécias por que passa o gênero humano.podem ter repercussão na ordem ou na desordem do universo e vice-versa. Foram estes princípios que inspiraram a astrologia, arte conforme a qual a natureza irracional e, em particular, os astros influenciam a vida do indivíduo e da sociedade humana; baseando-se nisto, o astrólogo deduz as vicissitudes da existência de uma pessoa, observando os movimentos e as posições dos astros relacionados com tal pessoa (cf. «P. R.» 16/1959, qu. 2).
No homem, considerado como centro do universo, às mãos toca importância especial, pois são o instrumento admirável da atividade humana. Elas constituem como que a síntese de toda a operosidade e, por conseguinte, de toda a vida do homem, já que viver é agir ou desempenhar uma atividade. Em consequência, julga-se que na mão de cada indivíduo, portadora como é de suas linhas, saliências e cavidades características, deve estar desenhado um compêndio de toda a vida dessa pessoa. É este pressuposto de que a mão está correlacionada com a vida do homem e, ulteriormente, com os astros, que explica tenham sido dados aos sinais mais notórios das mãos (principalmente às suas protuberâncias) nomes derivados da Astrologia: fala-se, com efeito, de «monte de Júpiter, monte de Saturno, monte de Apoio, monte de Mercúrio», etc. ; consequentemente, a predição do futuro pelas linhas da mão toma por vezes o nome de «quiromancia astrológica».
Partindo destas premissas, os antigos, desejosos de sondar o currículo da vida de um indivíduo, estabeleceram como que um código (o qual se tornou clássico e até hoje vigente) do simbolismo dos diversos sinais ocorrentes nas mãos. Distinguiram, portanto,
a planície de Marte, que é a palma ou a parte central côncava da mão, assim chamada por significar a luta do homem nesta vida (Marte era o deus da guerra, em Mitologia). Essa planície está cercada de sete saliências chamadas «montes»; assim
- o monte de Venus, sob o polegar; simboliza o amor, permitindo avaliar-se o grau de sensualidade da pessoa;
- o monte de Júpiter, na base do dedo indicador; representa a ambição e o espírito autoritativo do sujeito;
- o monte de Saturno, debaixo do dedo médio; indica determinado tipo de temperamento: quando saliente, denota, sim, índole pensativa, de aspecto grave; e, quando ausente, caráter leviano, pueril, colérico, com o qual não se pode contar;
- o monte de Apolo ou do Sol, debaixo do anelar; assinala, como seu nome indica, o fulgor da inteligência ou do gênio;
- o monte da Mercúrio, ao pé do dedo mindinho; significa astúcia e perfídia inveterada, quando muito próximo do monte do Sol, ou cinismo e fraudulência, quando mais chegado ao monte de Marte;
- o monte de Marte, na parte da palma da mão inferior ao monte de Mercúrio; representa a coragem, o heroísmo;
- o monte da Lua, na zona compreendida entre o monte de Marte e o pulso; reflete a imaginação, os sentimentos poéticos e a sensibilidade artística (é multo saliente nos sonhadores).
Além disso, observam-se e classificam-se grandes linhas na palma da mão, a saber,
- a linha da vida, que contorna a base do polegar, designando a vitalidade da pessoa;
- a linha da sorte ou da fortuna, que une o punho com o dedo indicador, podendo faltar em algumas pessoas;
- a linha do coração, que percorre a base dos quatro dedos superiores; reflete a afetividade;
- a linha da cabeça, que corre abaixo da linha do coração; denuncia a maior ou menor capacidade de raciocinar e refletir.
Os autores costumam enunciar ainda outras linhas da palma, dotadas de importância secundária, como a da intuição ou de Mercúrio, a da notoriedade ou do Sol, o anel de Venus, etc. Os quiromantes levam em conta outrossim sinais acidentais que por vezes aparecem sobre as linhas e as protuberâncias, classificados como «ranhuras, grades, ilhas, cadeias, ramos, forquilhas, taças, cordas, sóis...». Interessam-se também pela forma dos dedos, admitindo, por exemplo, que polegar rígido denote pessoa teimosa, obstinada; polegar encurva- do para dentro, espírito covarde, excesso de precaução, reserva pessoal; encurvado para fora, caráter débil, renúncia à personalidade; polegar forte e largo, teimosia, tendência à crueldade; curto e grosso, irritabilidade, egoísmo; polegar muito pequeno, caráter incerto e tímido; polegar estreito, firme e reto, autodomínio e vontade forte (tal tabela interessa muito também a quirologia).
Estas e outras modalidades de interpretação dos sinais da mão, dizem-nos os mestres, estão baseadas na experiência atestada por estatísticas. Visto, porém, que estas constituem critério por vezes incerto, compreende-se que os mesmos sinais sejam diversamente interpretados por quiromantes diversos; a filosofia e a mística do observador são muitas vezes chamadas a suprir as lacunas que a experiência deixa abertas. Ademais, para se averiguar a instabilidade do terreno que se pisa, note-se o seguinte: os observadores afirmam que cada nacionalidade apresenta seus traços de mão característicos, e que os orientais não possuem as mesmas linhas que os ocidentais, nem os homens rudes as dos intelectuais; verificam que até no mesmo indivíduo as linhas se alteram, ora reforçando-se, ora debilitando-se, em função do estado de saúde, próspero ou precário, da pessoa. Parece certo que os traços da mão em geral exprimem, antes do mais, a vitalidade, de modo a só se apagar várias horas após a morte real do respectivo sujeito.
Alguns estudiosos atribuem especial importância à atividade cerebral na configuração dos traços da mão: asseveram que nos intelectuais os traços da palma são mais acentuados, ao passo que tendem a desaparecer nas pessoas cuja intelectualidade é atenuada pela doença ou pela preguiça mental, chegando mesmo a se extinguir nos indivíduos' que, totalmente paralíticos, tenham perdido qualquer contato vital com as suas mãos. Em vista destes fenômenos, os observadores em geral costumam dizer que não basta uma só inspeção de mãos para se diagnosticar o caráter ou o currículo de vida de uma pessoa, mas requerem-se exames sucessivos e sistemáticos, documentados por chapas fotográficas, a acompanhar o consulente nas diversas fases de sua existência.
Acontece que a palma da mão mude notàvelmente a sua configuração de um ano para outro; não hã dúvida, os traços fundamentais permanecem então, mas linhas e sinais menores podem surgir ou extinguir-se imprevisivelmente. O observador tem de notar tais variações para averiguar se os acontecimentos que parecem anunciados por tais mudanças de fato se verificarão; por conseguinte, é sòmente aos poucos que o perito quiromante pode ousar formular um diagnóstico.
Suposto determinado código de interpretação, a aplicação do mesmo não se apresenta de todo fácil. Verdade é que em geral linhas mais acentuadas indicam proporção notória do predicado por elas simbolizado (assim, ensinam os quiromantes, linha de vida longa e não interrompida caracteriza longevidade; breve linha da cabeça denota pobreza intelectual, etc.). Os autores, porém, inculcam que não basta considerar cada traço da mão isoladamente ou de per si, mas que se faz mister interpretá-lo em função /das demais linhas, levando-se em conta as proporções existentes entre as diversas linhas da mesma mão. Ora na maneira de avaliar essas correlações pode haver divergências. — Em geral, após a consideração do conjunto das duas mãos, os peritos concentram sua atenção na mão esquerda, pois esta se apresenta geralmente menos deteriorada pelo uso do que a direita. 
3. Uma tentativa de avaliação
Na apreciação do estudo das mãos, é mister ter-se ante os olhos a distinção entre quiromancia (arte de sondar o currículo de vida, principalmente o futuro) e quirologia (análise do caráter ou do tipo psicológico, tal como ele se pode espelhar nas linhas da mão). Feita esta distinção, dir-se-á:
3.1. No setor da quiromancia mesma, é preciso distinguir ulteriormente entre a técnica como era cultivada outrora e a técnica como é hoje abordada.
a) A quiromancia foi até o século passado geralmente associada a crenças filosóficas monistas, fatalistas e a concepções supersticiosas; julgava-se que forcas misteriosas, operantes de maneira imperiosa e inelutável na vida da pessoa, se manifestavam pelas linhas da mão; atribuíam-se a causas, por sua natureza mesma insignificantes, efeitos maravilhosos. Valores religiosos, até idéias místicas, serviam para justificar as predições dos quiromantes, reivindicando para elas autoridade indiscutida.
Ora, na medida em que envolvia o conceito monista ou panteísta de Deus (Deus identificado com o universo) ou crença num pretenso poder sobrenatural dos astros ou dos elementos cósmicos sobre a vida humana, induzindo fatalismo, a quiromancia era contrária não só à fé cristã, mas também à sã filosofia. Com efeito, é inconsistente a tese de que os astros determinam a vida humana, deixando o vestígio de sua ação sobre as palmas das mãos; concede-se sem dificuldade certa influência dos corpos celestes e dos elementos da atmosfera sobre a história do gênero humano e seus grandes acontecimentos; pode-se também admitir que um ou outro indivíduo seja especialmente sensível às fases da lua ou às condições atmosféricas; não há, porém, provas de que tais elementos irracionais caracterizem a personalidade e as atividades de determinada pessoa, marcando o seu currículo de vida, a ponto de lhe tirar a liberdade de arbítrio (veja-se o que está dito sobre a Astrologia em «P. R.» 16/1959, qu. 2).
É este conjunto de fatores que explica tenha o Papa Sixto V, na bula «Caeli et terra» de 5 de janeiro de 1585 («contra exercentes artem astrologiae iudicariae et alia quaecumque divinationum genera, librosque legentes vel tenentes»), incluído a quiromancia supersticiosa de sua época entre as artes divinatórias contrárias à fé cristã; o Pontífice lembrava que o Senhor explicitamente advertiu os Apóstolos de que não está em poder dos homens perscrutar os tempos e momentos dispostos pela Providência Divina (cf. At 1, 7).
Há, porém, quem insista nos documentos da Revelação cristã, desejando justificar a quiromancia pela recurso ao livro de Jó, onde se lê (tradução latina da Vulgata): «In manu omnium Deus signa posuit, ut noverínt singuli opera sua. — Na mão de cada homem Deus colocou sinais, a fim de que reconheça cada um as suas obras» (37,7).
 Eis, porém, que a tradução latina citada não corresponde ao teor do original hebraico. Este, referindo-se às tempestades, diz que Deus, ao permiti-las, «suspende a atividade dos homens, a fim de que cada um reconheça por elas a ação de Deus». — Como se vê, o texto bíblico como tal está longe de mencionar nesta passagem sinais na mão... Vão, portanto, seria estabelecer recurso à Revelação Divina em favor da quiromancia tal como era praticada pelos povos pagãos.
 b) Acontece, porém, que nos últimos tempos a arte quiromântica tem sido, em círculos de cientistas, emancipada de seu aparato supersticioso, falsamente religioso, para ser cultivada à luz de dados da ciência. Principalmente as energias latentes da alma humana têm sido estudadas nos Institutos de Parapsicologia; tem-se averiguado que muitas manifestações do psiquismo, até época recente tidas como expressões do sobrenatural ou da intervenção de um espírito superior, são fenômenos meramente naturais, isto é, contidos dentro do potencial da alma humana: tais seriam os fenômenos de telepatia, clarividência e de percepção dita «extrassensorial», fenômenos ou casos em que a pessoa conhece objetos ausentes, isto é, separados do sujeito por uma distância mais ou menos considerável de espaço e de tempo.
 Na base das experiências parapsicológicas até hoje feitas, bons autores (1) julgam possível que um acontecimento futuro (efeito de certas causas já agora existentes) concernente a uma pessoa seja por esta pessoa inconscientemente percebido à distância; isto faria que a constituição física desse mesmo indivíduo (em particular, as mãos, órgão tão expressivo do homem) ficasse marcada por tal percepção. Um observador então (no caso, o quiromante) estaria habilitado a apreender essa marca de mãos e consequentemente a predizer o futuro, atribuindo determinada interpretação aos sinais averiguados.
(1) Em particular destaca-se François de la Noê, «Le langage de la main. Chirologie et chiromancie», na coleção «Bilan du mystère», no 7. Paris 1958. O autor diz ter mais de trinta anos de experiências e estudos quiromânticos e parapsicológicos. Citamos aqui principalmente as suas Opiniões, sem a intenção de as recomendar, mas apenas visando ilustrar a posição do problema em nossos dias.
 Os fundamentos desta hipótese seriam os dois seguintes:
 Todo efeito futuro já está, no momento presente, realmente contido em suas causas. Dado, pois, que alguém tenha uma sensibilidade muito apurada, poderá perceber (ainda que no subconsciente apenas) esse acontecimento futuro, percebendo as respectivas causas presentes.
 O psíquico influi no físico do sujeito. Por conseguinte, o ato psíquico de perceber acima mencionado poderá deixar vestígios de si no físico (em particular, na palma da mão) do indivíduo percipiente. Um quiromante terá assim fundamento real para predizer o futuro da pessoa assinalada por tal conhecimento dito «extrassensorial».
Um dos autores modernos — François de la Noê — que propõem tal explicação, narra o seguinte exemplo de sua experiência própria:
 Após haver observado, durante muito tempo e sistemàticamente, a mão de uma pessoa, De la Noê verificou que repentinamente apareceram uma mancha negra no monte de Venus e um ponto preto na linha da vida dessa pessoa. Dai o observador, aplicando as normas de seu código de interpretação, previu que um perigo de morte ameaçava de perto a pessoa assinalada; não seria fatal, porém, porque outros sinais da mão indicavam a persistência da vida. Ora, de fato, dez dias após a verificação dos sinais recém-oriundos, a mencionada pessoa foi vitima de um desastre, escapando da morte por um triz. Horas depois desse acidente, os dois pontos negros da mão desapareceram...!
 François de la Noé assegura que, em sua carreira de estudioso, já se defrontou com numerosos fenômenos análogos, na base dos quais ele propõe a hipótese que atrás referimos (cf. Le langage de la main 85s).
 Pois bem. Nessa hipótese não entra elemento religioso arbitràriamente estipulado, isto é, não se apela para uma causa sobrenatural indefinida nem para um poder divino misterioso; também não se pressupõe nem fatalismo nem monismo, ficando a explicação estritamente confinada ao setor da natureza. Por isto a sã filosofia e a fé cristã, a rigor, não se opõem a tal teoria. Esta deverá ser julgada à luz das experiências e das normas científicas sobre as quais se baseia. No estado atual da ciência, a teoria proposta só poderá merecer a classificação de hipótese sujeita a ser confirmada ou talvez reformada à medida que forem progredindo os conhecimentos da Psicologia e da Parapsicologia.
 A citada bula de Sixto V isenta explicitamente de condenação a arte que tenta desvendar efeitos futuros não a partir de causas imaginárias (apresentadas por pretensas concepções místicas), mas a partir das causas naturais estudadas pela ciência: «...futuris eventibus ex naturalibus causis necessário vel frequenter provenien-' tibus, quae ad divinationem non pèrtinent, dumtaxat exceptis. — Ficam excetuados (da proibição) os acontecimentos futuros que sempre ou ao menos freqüentemente dimanam de suas causas naturais, setor este de coisas que não tem que ver com adivinhação».
 O que nos interessa na teoria acima exposta, é o seguinte: hoje em dia percebe-se muito bem que alguns fenômenos maravilhosos realmente ocorrem relacionados com a leitura da mão; tais fenômenos, porém, nada têm de comum com a intervenção de misteriosas forças cósmicas; podem, ao contrário, ser devidamente explicados pela ação de faculdades humanas naturais, cujas manifestações vão sendo mais e mais explanadas pelos estudiosos. Destarte a quiromancia perde seu caráter supersticioso ou falsamente místico, para se tornar ciência objetiva, sujeita ao controle da razão. Contudo por enquanto, dada a escassez de dados empíricos seguros, ela versa mais no terreno das conjeturas do que no da certeza. — Não é ilícito cultivá-la, desde que no seu estudo se remova toda espécie de falsa crença religiosa e de superstição.
 Infelizmente, porém, a arte quiromântica, tal como é praticada no Brasil, envolve geralmente pressupostos de astrologia e fatalismo, que se opõem à doutrina cristã. Está claro que a um católico fica vedado o recurso a uma técnica assim concebida. É o que explica que a consciência dos fiéis católicos se deva mostrar extremamente reservada, mesmo refratária, diante dos anúncios de jornal e dos cartazes que, comumente espalhados, costumam apresentar quiromantes ao público.
 A esta altura, uma questão de curiosidade poderia ser abordada com proveito. Tem-se perguntado porque muito maior é o número de mulheres dadas à quiromancia do que o de varões. — François de la Noê explica isto, lembrando que o varão é mais dado ao raciocínio discursivo e sistemático, ao passo que a mulher é mais intuitiva e dotada de sensibilidade mais vibrátil. Ora o conhecimento quiromântico depende muito mais de intuição do que de raciocínio dialético; ele se prende muito mais ao setor do conhecimento subconsciente e extrassensorial, para o qual as mulheres têm especial propensão, do que ao da argumentação racional (ob. cit. 117-120).
 3.2. Quanto à quirologia, ela merece, como dizíamos, apreciação independente da quiromancia. Baseia-se no principio de que notas de temperamento e afetos de alma se podem espelhar no corpo ou na fisiologia do respectivo sujeito; admite que certas características psíquicas estejam relacionadas com traços das mãos.
 «Em todos os tempos e países, a medicina averiguou o fenômeno de que em todo indivíduo existe correspondência entre a fisionomia de sua mão e seu estado fisiológico. Os principais dados que podem servir para se formular um diagnóstico de conjunto, são a forma, a coloração e a consistência da mão.
Mão de proporções harmoniosas, cujo dorso é levemente colorido e cuja palma é firme sem ser dura, denota bom estado fisiológico. Mão que apresenta excesso ou deficiência de coloração, indica perturbações de nutrição ou de funcionamento dos órgãos. Ossatura fortemente marcada é sinal de artritismo, ao passo que o linfatismo se reconhece pela alvura da pele e a flacidez dos músculos.
O simples aspecto da mão acusa as grandes linhas do temperamento...
 Eis alguns tipos característicos de mãos, aos quais correspondem tendências diversas. Mão estreita e muito longa significa egoísmo, inveja, pusilanimidade. Grande, mas bem modelada: ponderação e confiança em si. Fina e muito curta: suscetibilidade, temperamento difícil. Pequena, mas bem configurada: sensibilidade, intuição, reserva natural. Pesada e de forma irregular: sujeição aos instintos. Grossa, mas ágil: habilidade, tino prático. Carnuda e rechonchuda; espírito agudo e capacidade de adaptação (!). Magra e nervosa: aptidões intelectuais, propensão ao exagero. Larga e dura: grande atividade e tino organizador» (ob. cit. 41-43).
 As afirmações acima, ainda que possam ser discutidas do ponto de vista cientifico, não ferem proposições da fé cristã; esta aceita sem dificuldade a tese de que a alma se espelha no corpo. Conscientes disto, os moralistas não veem mal no estudo da configuração somática, em particular das características da mão, que possam estar relacionadas com a configuração psíquica da respectiva pessoa, contanto que esse estudo não pretenda ultrapassar as fronteiras da ciência e apelar para princípios de falsa filosofia ou para teorias de mística fantasista.
Dentro da mesma cláusula também é lícita a grafologia ou o estudo de tal manifestação das mãos humanas que é a escrita ou a caligrafia: da configuração que alguém dá ao traçado de suas letras, não parece haver dúvida de que se podem deduzir notas típicas do temperamento dessa pessoa.
 A respeito de quanto acaba de ser dito, ainda se pode citar o juízo do abalizado moralista católico, Pe. Vermeersch: «Per se patet nullam illicitam exerceri divinationem ab iis qui ex vultu, membro- rum dispositione, lineis et partibus manus, scripturae notis, temperiem corporis, immo etiam animi propensiones et affectus probabiliter coniciunt. — Evidentemente não praticam adivinhação ilícita aqueles que, baseando-se nos traços do rosto, na disposição dos membros, nas linhas e na estrutura das mãos ou nas características da escrita de uma pessoa, deduzem conjeturas prováveis a respeito das condições somáticas, e até mesmo a respeito das tendências e dos afetos de ânimo dessa pessoa» (Theologia Moralis II. Roma 1928, n. 244).
Por fim, ainda uma observação. A mão compreende duas partes: a palma e os dedos. Ora verifica-se que o estudo da palma da mão e de seus sinais característicos, embora possa ser executado no plano da quirologia (ciência racional), tende insensivelmente a se tornar quiromancia (intuição, adivinhação, arte). O mesmo não se dá com o estudo dos dedos, que se processa geralmente dentro das normas da estrita quirologia.