A última encíclica de Bento XVI
por ANSELMO BORGESHoje53 comentários
"Dado em Roma, junto de São Pedro, no dia 29 de Junho, solenidade dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo, do ano 2013, primeiro do meu Pontificado. Francisco" (assinado à mão, sem a indicação habitual de papa). Termina assim a primeira encíclica do Papa Francisco, dedicada ao tema da fé: "Lumen Fidei" (a luz da fé).
Como ele próprio diz, a encíclica foi substancialmente redigida pelo seu predecessor: Bento XVI "já tinha completado praticamente uma primeira redacção desta Carta encíclica sobre a fé. Agradeço-lhe de coração e assumo o seu precioso trabalho, acrescentando alguns contri- butos". De facto, o papa emérito tinha em mente uma trilogia sobre as três virtudes teologais e já publicara uma encíclica sobre a esperança, outra sobre o amor, faltando a referente à fé, que aparece agora. Um texto belo, bem fundamentado, talvez demasiado académico, com citações de Nietzsche, Dante, Dostoievsky, Wittgenstein, Rousseau,T. S. Eliot.
A sua assunção por parte de Francisco revela humildade e também o reconhecimento do mérito intelectual do seu antecessor e, ao mesmo tempo, a importância da teologia para o cristianismo. Sem teologia, a fé não é argumentável. Mas, se a fé não dialoga com a razão, não tem lugar na Universidade, ficando reduzida a puro sentimento. Esta era uma preocupação fundamental de Bento XVI.
Será a fé religiosa uma mera ilusão, fruto do espelhismo? Lá está a citação de Nietzsche, numa carta à irmã, convidando-a a arriscar-se, a "empreender novos caminhos... com a insegurança de quem procede autonomamente". E acrescenta: "Aqui se dividem os caminhos do homem: se queres alcançar paz na alma e felicidade, crê; mas, se queres ser discípulo da verdade, indaga." Como se a fé fosse, portanto, o contrário de buscar, abandonando a novidade e a aventura da vida.
Aconteceu então que "o homem renunciou à busca de uma luz grande, de uma verdade grande", contentando-se com a verdade da tecnologia, com a verdade do cálculo, com pequenas luzes que iluminam o instante fugaz, mas incapazes de abrir o caminho da vida plena. "É urgente recuperar o carácter luminoso próprio da fé", pois, "quando falta a luz, tudo se torna confuso, é impossível distinguir o bem do mal". Aqui, acrescento eu, poderia citar a advertência que Nietzsche, sete anos antes do seu colapso pessoal, fez à mulher do seu amigo Overbeck, de nome Ida, para que não abandonasse a ideia de Deus: "Eu abandonei-a, quero criar algo novo e não posso nem quero voltar atrás. Vou perecer por causa das minhas paixões, que me atiram daqui para ali; desmorono-me continuamente, mas isso nada me importa."
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