L'OSSERVATORE ROMANO
Editoriais
Cidade do Vaticano, 28 de Abril de 2012.
A beatificação de José Toniolo
Fidelidade à história
e desejo de Deus
e desejo de Deus
Mas Toniolo supera e ultrapassa as pertenças de grupo. Também naquela época o mundo católico era constituído, às vezes dividido, por almas diversas frequentemente em aberta competição, entre a intransigência rígida da Obra dos Congressos de Giovanni Battista Paganuzzi e as impaciências inovadoras dos jovens que mordiam o freio, e em muitos casos, acabavam por desembarcar no murrismo mais exasperado e idealmente à deriva modernista. Consciente dos perigos e dos riscos de ambas as posições, Toniolo fez tudo para promover e animar, na caridade, um diálogo franco e sincero entre as partes, permanecendo indefectivelmente fiel à Igreja e aos seus bispos.
Toniolo quis viver em comunhão com os pastores da Igreja, dos quais com frequência era amigo e colaborar; não para se proteger de possíveis lampejos mas para se movimentar num ambiente vital e na garantia da verdade. Depois, quem sumariamente ler as suas cartas dar-se-á conta da vida intensíssima deste intelectual, deste académico, que não se cansou de atravessar a Itália e a Europa para apoiar a causa católica com todos os meios possíveis. E que à custa de viagens cansativas, inclusive nocturnas, nunca faltava às suas aulas universitárias em Pisa, para não deixar de cumprir os deveres para com o Estado e os estudantes. Toniolo cultivou inúmeras virtudes eminentemente. Mas evitemos de difundir o seu santinho, como as circunstâncias induziriam a fazer, porque a realidade é mais bonita do que a representação hagiográfica que, com os seus clichês, muitas vezes acaba por afastar em vez de aproximar. Quem puder, leia os testemunhos da Positio pisana e dar-se-á conta de quanta humanidade extraordinária é capaz, na concretude da quotidianidade, uma vida totalmente imersa na fé.
E no entanto, a figura de Toniolo foi removida da memória. Os representantes do catolicismo democrático recordaram-no até à geração de Alcide De Gasperi e, imediatamente em seguida, entre os mais jovens, de Amintore Fanfani, que cresceu na Universidade Católica de Agostino Gemelli, que a Toniolo devia boa parte da sua inspiração. Mas depois deles veio o dilúvio do esquecimento, como se a crise do Estado liberal, o fascismo e a guerra mundial tivessem cancelado o perfil de um vulto reduzindo-o a uma imagem esvaecida, mais que ofuscada, sobre um muro gasto pelo tempo. Ao contrário, no professor pisano os católicos italianos agora poderiam redescobrir um exemplo de plena e total participação na história com o olhar além da história.
De facto, Toniolo sempre teve grandes e profundos projectos, confrontou-se com a economia, com a sociedade, com as crises temíveis do seu tempo. Poder-se-ia dizer que nenhum aspecto da convivência humana tenha sido descuidado por ele, começando pela exploração dos trabalhadores, dos menores e das mulheres, ao respeito pelo repouso festivo, dos salários ao crédito, da questão educativa à pesquisa científica. Com os seus esforços para a Sociedade Católica Italiana para os Estudos Científicos, nascida em Como em 1899, procurou criar na Itália algo semelhante ao que os católicos alemães, no difícil clima do Kulturkampf, tinham realizado na Alemanha com a Görres-Gesellschaft (1876). Tentou novamente, entre 1904 e 1909, durante o pontificado de Pio X, com uma associação católica internacional para o progresso das ciências que, nos anos difíceis e abrasadores do modernismo e da sua repressão, acabou por morrer antes de ter nascido. Mas todo o trabalho realizado na convicção de que a verdadeira ciência não pode contradizer a fé e a sua profunda racionalidade não se perdeu porque inspirou padre Gemelli ao dar vida à Universidade Católica.
Não foi a condição particular dos católicos italianos, ainda necessariamente estranhos ao compromisso político, que impulsionou Toniolo para a reflexão sobre a economia e a sociedade. Aliás, foi a convicção de que nenhum problema de natureza social ou política pudesse ser enfrentado sem estudar a sua origem e a matriz ideal e cultural. Contra um pragmatismo de breve alcance, contra um empirismo sem perspectivas, o novo beato ensina-nos que todas as questões estão ligadas pela raiz e reduzem-se à visão que uma sociedade elabora do homem e de Deus; e portanto que sobre aquela fronteira, eminentemente cultural, é preciso combater a batalha.
Certamente, Toniolo foi quem mais fez para libertar a cultura católica italiana do provincianismo, resgatando-a da angústia das ressentidas reivindicações pós-unitárias para a elevar ao diálogo com os movimentos católicos europeus, com os seus pensadores e protagonistas; e ao mesmo tempo, expondo-a aos desafios do confronto com as outras visões do mundo, de matriz liberal e socialista. Contudo, analisando bem, a sua lição não é tanto de conteúdo, embora os desenvolvimentos desastrosos de uma economia separada da ética parecem dar razão singularmente a quem, em Dezembro de 1873, pronunciou o seu «discurso» na universidade de Pádua sobre o tema «Do elemento ético como factor intrínseco das leis económicas».
Com a beatificação de Toniolo os católicos italianos, na comunhão dos santos, não obtém só uma ajuda válida e um protector. Têm a ocasião de redescobrir nele um exemplo e um modelo do qual, nas diferentes circunstâncias históricas, seguir o caminho e, sobretudo, o método: a fidelidade à história e à sociedade, para as transcender. Porque ser fiel a Deus é o único modo para ser verdadeiramente fiel ao homem, que no Pai tem a premissa e a protecção da sua dignidade. Toniolo recorda-nos que o amor e a fidelidade à história e à sociedade, numa palavra, ao homem, são mais verdadeiros e eficazes quanto mais nascerem do desejo de Deus, do qual assumem regra e substância, para não fracassar e se precipitar no seu contrário. Como o século XX, depois da morte de Toniolo, eloquentemente demonstrou.
Paolo Vian
[palavras-chave: Santos e beatos]
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