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O comunismo real
Detalhes Publicado em Segunda, 7 Abril 2014 20:45 Escrito por Olavo de Carvalho
Arte / CWS
Nos dicionários e na cabeça do povinho semi-analfabeto das universidades, a diferença entre capitalismo e comunismo é a de um “modo de produção”, ou, mais especificamente, a da “propriedade dos meios de produção”, privada num caso, pública no outro. Mas isso é a autodefinição que o comunismo dá a si mesmo: é um slogan ideológico, um símbolo aglutinador da militância, não uma definição objetiva. Se até os adversários do comunismo a aceitam, isto só prova que se deixaram dominar mentalmente por aqueles que os odeiam – e esse domínio é precisamente aquilo que, no vocabulário da estratégia comunista, se chama “hegemonia”.
Objetivamente, a estatização completa dos meios de produção nunca existiu nem nunca existirá: ela é uma impossibilidade econômica pura e simples. Ludwig von Mises já demonstrou isso em 1921 e, após umas débeis esperneadas, os comunistas desistiram de tentar contestá-lo: sabiam e sabem que ele tinha razão.
Em todos os regimes comunistas do mundo, uma parcela considerável da economia sempre se conservou nas mãos de investidores privados. De início, clandestinamente, sob as vistas grossas de um governo consciente de que a economia não sobreviveria sem isso. Mais tarde, declarada e oficialmente, sob o nome de “perestroika” ou qualquer outro. Tudo indica que a participação do capital privado na economia chegou mesmo a ser maior em alguns regimes comunistas do que em várias nações tidas como “capitalistas”.
Isso mostra, com a maior clareza possível, que o comunismo não é um modo de produção, não é um sistema de propriedade dos meios de produção. É um movimento político que tem um objetivo totalmente diferente e ao qual o símbolo “propriedade pública dos meios de produção” serve apenas de pretexto hipnótico para controle das massas: é a cenoura que atrai o burro para cá e para lá, sem que ele jamais chegue ou possa chegar ao prometidíssimo e inviabilíssimo “modo de produção comunista”.
No entanto, se deixaram a iniciativa privada à solta, por saber que a economia é por natureza a parte mais incontrolável da vida social, todos os governos comunistas de todos os continentes fizeram o possível e o impossível para controlar o que fosse controlável, o que não dependesse de casualidades imprevisíveis mas do funcionamento de uns poucos canais de ação diretamente acessíveis à intervenção governamental.
Esses canais eram: os partidos e movimentos políticos, a mídia, a educação popular, a religião e as instituições de cultura. Dominando um número limitado de organizações e grupos, o governo comunista podia assim controlar diretamente a política e o comportamento de toda a sociedade civil, sem a menor necessidade de exercer um impossível controle igualmente draconiano sobre a produção, a distribuição e o comércio de bens e serviços.
Essa é a definição real do comunismo: controle efetivo e total da sociedade civil e política, sob o pretexto de um “modo de produção” cujo advento continuará e terá de continuar sendo adiado pelos séculos dos séculos.
Aprática real do comunismo traz consigo o total desmentido do princípio básico que lhe dá fundamento teórico: o princípio de que a política, a cultura e a vida social em geral dependem do “modo de produção”. Se dependessem, um governo comunista não poderia sobreviver por muito tempo sem estatizar por completo a propriedade dos meios de produção. Bem ao contrário, o comunismo só tem sobrevivido, e sobrevive ainda, da sua capacidade de adiar indefinidamente o cumprimento dessa promessa absurda. Esta, portanto, não é a sua essência nem a sua definição: é o falso pretexto de que ele se utiliza para controlar ditatorialmente a sociedade.
Trair suas promessas não é, portanto, um “desvio” do programa comunista: é a sua essência, a sua natureza permanente, a condição mesma da sua subsistência.
Compreensivelmente, é esse mesmo caráter dúplice e escorregadio que lhe permite ludibriar não somente a massa de seus adeptos e militantes, mas até seus inimigos declarados: os empresários capitalistas. Tão logo estes se deixam persuadir do preceito marxista de que o modo de produção determina o curso da vida social e política (e é quase impossível que não acabem se convencendo disso, dado que a economia é a sua esfera de ação própria e o foco maior dos seus interesses), a conclusão que tiram daí é que, enquanto estiver garantida uma certa margem de ação para a iniciativa privada, o comunismo continuará sendo uma ameaça vaga, distante e até puramente imaginária. Enquanto isso, vão deixando o governo comunista ir invadindo e dominando áreas cada vez mais amplas da sociedade civil e da política, até chegar-se ao ponto em que a única liberdade que resta – para uns poucos, decerto – é a de ganhar dinheiro. Com a condição de que sejam bons meninos e não usem o dinheiro como meio para conquistar outras liberdades.
Ao primeiro sinal de que um empresário, confiado no dinheiro, se atreve a ter suas próprias opiniões, ou a deixar que seus empregados as tenham, o governo trata de fazê-lo lembrar que não passa do beneficiário provisório de uma concessão estatal que pode ser revogada a qualquer momento. O sr. Silvio Santos é o enésimo a receber esse recado.
É assim que um governo comunista vai dominando tudo em torno, sem que ninguém deseje admitir que já está vivendo sob uma ditadura comunista. Por trás, os comunistas mais experientes riem: “Ha! Ha! Esses idiotas pensam que o que queremos é controlar a economia! O que queremos é controlar seus cérebros, seus corações, suas vidas.”
E já controlam.
- Olavo de Carvalho é ensaísta, jornalista e professor de Filosofia
marcelo assad
Só um a lembrança professor Olavo: perestroika é a "abertura" política, a econômica é glasnost.
Terça, 8 Abril 2014 05:47
Pedro Bernardes
Marcelo Assad, a palavra perestroika em russo significa reconstrução, é uma reforma econômica, como o Olavo disse. Glasnost' significa "publicidade, transparência" e é a reforma política.Abçs
Quarta, 9 Abril 2014 18:00
Rodrigo Lessa Pereira
Grande Olavo!!!! Desvendando o Comunismo em poucas palavras... Parabéns!
Terça, 8 Abril 2014 21:28
Thomas Lima
Olavo mais uma vez chutando bundas. Eu lembro de ter lido sementes do conceito que ele desenvolve aqui em seus artigos anteriores, que foram fundamentais para alterar por completo a maneira como eu vejo todo esse assunto. Posso tomar um espaço para desabafar um pouco sobre o assunto?"Capitalismo" realmente é o "tudo isso que está aí" do tempo de Marx e Proudhon: uma palavra que surgiu para ser usada como pejorativo e, por qualquer razão, "pegou." É estranhíssimo: você pega Smith, Ricardo, Bastiat, Say, Menger, quem quer que seja; nenhum deles se refere àquilo que descreve como "capitalismo." Nem os mais modernos, como Mises, usam a palavra em excesso. Usam até certo ponto, visto que no tempo em que viveram era impossível não usá-la, mas quando a usam, é de modo bastante limitado.Mesmo a definição mais corriqueira de "capitalismo" -- propriedade privada dos meios de produção --, quando analisada a fundo, não quer dizer muita coisa. A divisão entre "privado" e "público" é bem recente (tente qualificar, por exemplo, a propriedade do senhor feudal do medievo nessa dicotomia), e é de caráter político, não econômico. A ideia de Lenin para o socialismo era transformar o estado numa "grande empresa." Tudo estaria na mão do Partido diretor: isso é propriedade pública ou privada? Nesse ponto, qual a diferença?"Capitalismo", então, não descreve nada. E ao mesmo tempo, descreve tudo. Quando as feministas mais extremas, por exemplo, dizem que o capitalismo gera a violência contra a mulher, elas estão certas -- porque usam a palavra para descrever TUDO, e dentro de tudo com certeza está a causa da violência contra a mulher. Só que depois, usam a palavra "capitalismo" de novo, num sentido mais limitado -- para descrever a atividade empresarial, por exemplo; associa-se a violência contra a mulher ao empresário. A extrema volatilidade da palavra permite isso.A oposição entre capitalismo e comunismo é falsa. Entre liberalismo e comunismo, mais falsa ainda. Liberalismo é o nome de um conjunto de doutrinas; comunismo é o nome de um MOVIMENTO. O comunismo não é um "sistema" econômico exatamente porque as categorias fundamentais da economia são sempre as mesmas: tentar determinar se um país é comunista ou não olhando somente como sua economia funciona é inútil, porque, fundamentalmente, toda economia funciona com base nas mesmas coisas. Os comunistas (os mais safados, pelo menos) sabem disso: por isso que eles podem dizer que a URSS era "capitalismo de estado", que a Coreia do Norte é isso e que o Camboja era aquilo: porque eles sabem que se você tentar classificar um país como comunista somente com base na economia, você NUNCA vai conseguir fazê-lo. A única maneira de classificar um estado como comunista ou não é posicionando-o historicamente, vendo de onde surgiu o governo que o rege, a filosofia que o guia, o modo como faz política.E essa volatilidade é fundamental. É o que dá a eles a justificativa ideológica para conduzir todos os expurgos que sempre conduziram ao tomar o poder. "Ah, a visão do fulaninho é uma clara restauração do capitalismo, vamos fuzilá-lo." Como comunismo e capitalismo não são conceitos econômicos, coisas com definições concretas, é impossível ao acusado defender-se: resta a ele tão somente aceitar seu destino como contrarrevolucionário. É solo fértil para o fanatismo.
Quinta, 10 Abril 2014 23:00
Iara Vieira Barbosa
Parabéns, mais outra vez, Olavo.
Terça, 8 Abril 2014 15:01
marcelo
Parabéns pelo texto. Você deveria entrar em cadeia nacional e informar a população anestesiada por pão circo e bolsa-família.
Quarta, 9 Abril 2014 11:23
Diogo Ramos
Obrigado professor Olavo por mais uma vez permitir que bebamos de suas luzes. Ótimo artigo. Um abraço.
Quinta, 10 Abril 2014 12:32
Marlon Schirrmann
Prof. Olavo, pense bem. E o Poder Judiciário? Não está à beira da ideologia comulóide? Sim, pois hoje em dia o Estado processa (Defensoria), acusa (MP) e decide (Juiz). Tenta processar a União para ver... É meu caro professor, os comulóides também estão atacando nosso Poder Judiciário, há tempos...
Terça, 8 Abril 2014 16:21
Alvin silva
Ou seja, o sistema comunista é um mundo fantasioso feito de mentiras, onde os que vivem essa mentira esperam que as promessas da concretização deste sistema utópico se cumpra, tendo suas vidas e liberdades limitadas e sugadas.Ótimo texto. Parabéns.
Terça, 8 Abril 2014 17:44
Gabriel Schaf
Olavo, o Napoleão Mendes de Almeida, em seu "Dicionário de Questões Vernáculas", não caiu, ao menos em parte, nessa definição enganosa do que seja comunismo. Ele não acerta em cheio, mas restabelece a dicotomia real em jogo (ao final ele dá um bom conselho aos brasileiros):"COMUNISMO não é antônimo de CAPITALISMO; antonimia real só existe entre COMUNISMO e DEMOCRACIA. No comunismo, onde o capitalismo é exercido exclusivamente pelo governo, o cidadão é mero funcionário público, tenha ele a atividade que tiver; na democracia, o capitalismo tem sua base na iniciativa privada; opera-se dentro de lei votada e coercitivamente exercida pelo cidadão ou grupo de cidadãos livres. Em resumo: Na democracia, volição; no comunismo, escravidão."Somente com essa distinção de significado encontramos sentido nesta asserção: 'O malogro do comunismo e os novos desafios à democracia devem ser permanente tema de reflexão do brasileiro que tem ou pretende ter alguma parcela de responsabilidade no destino do país'."E veja só que mimo esta definição que o Houaiss dá a "comunismo revolucionário" (sub-item do verbete "comunismo"): "regime que se instala após uma revolução comunista que derruba a classe dos detentores dos meios de produção (capitalistas e latifundiários) e seus defensores (militares, religiosos, políticos e intelectuais reacionários), e inicia a construção de uma sociedade sem classes, eliminando paulatinamente as estruturas arcaicas e despertando a consciência do novo cidadão".Abraço!
Terça, 8 Abril 2014 13:18
Joel Ribeiro
Na mosca, Olavo! Pena que poucos enxergam o que está acontecendo...
Terça, 8 Abril 2014 08:48
Alexandre
Caro "marcelo assad" (comentário de Terça, 8 Abril 2014 05:47), devo corrigi-lo: perestroika é a "abertura" econômica, como aparece no texto, a política é glasnost.
Quarta, 9 Abril 2014 09:18
Guilherme S P
Contra o Marxismo Cultural só existe uma ação: produzir um Conservadorismo Cultural intelectualizante.
Segunda, 14 Abril 2014 17:45
ivan de Jesus Godinho
Perfeito! Olavo pela zilhonésima vez desmascarando os psicopátas.
Terça, 8 Abril 2014 15:07
karlos
Excelente professor,sempre coloquei essa coisa que para eles é mais importante o poder e o partido a morte da alma e esta sim vai causar a ruína social,pois sem indivíduos cade a sociedade?
Terça, 8 Abril 2014 12:23
João
Olavo é um gênio. É um dos que mais sabem sobre comunismo no MUNDO.Pena que tudo o que ele disse é verdade e está acontecendo no Brasil.
Terça, 8 Abril 2014 19:13
Empresário Ingênuo
Se é tão óbvio e ululante que o comunismo não existe como meio de produção e é apenas um meio de controle, como que os empresários não sabem disso? Não me refiro ao Brasil, onde ninguém sabe nada e o puxa-saquismo grassa e impera, só gostaria de saber como algo que é de conhecimento tão básico e público escapa aos grande possuidores do capital, sempre tão ávidos a defender sua própria hegemonia.Não sou comunista, tampouco tenho afinidades com o governo de ladrões que instaurou-se no Brasil, mas essas simplificações de mundo, essas explicações tão preto no branco onde os inteligentes vêem o óbvio e o resto do mundo está todo com o saco de papel na cabeça pode funcionar apenas para encantar meninos tontos e ávidos por explicações generalistas.
Terça, 8 Abril 2014 12:17
Laércio Reis
Acompanho há muito tempo o Mestre Olavo. Já assisti, com um prazer inenarrável, todo o seu material disponível na internet, chegando ao ponto de converter todos os videos do MSM para mp3 para poder ouvir também no carro. Quando comprei o "Mínimo", minha esposa disse que eu parecia uma criança, em pleno natal, que ganhara um presente além das expectativas. Bem, só posso dizer uma coisa para tentar expressar o que sinto pelo Mestre: Sem idolatria e sem veadagem, mas eu te amo Mestre!!! Quanto a matéria acima? Uma obra prima como sempre! Falar sobre ela seria, na melhor das hipóteses, e com muita sabedoria, chover no molhado!!! Mestre Olavo, ocupei esse espaço com esperança de que o Senhor venha a ler essas palavras e, por consequência, permitir que eu lhe agradeça. Talvez o Mestre não faça ideia do quanto suas palavras falam fundo ao coração de quem está realmente aberto ao conhecimento, ou talvez faça. De qualquer modo: Muito obrigado por tudo Mestre Olavo.
Terça, 8 Abril 2014 06:12
Donimar
SIMPLESMENTE TUDO ISSO AÍ, OLAVO. TEM TODA RAZÃO...
Terça, 8 Abril 2014 08:18
Carlito Barros
E o que acontece na economia de mercado. Não existe mecanismos para controlar cérebros, corações e vidas? Como se adestra um consumidor?
Terça, 8 Abril 2014 11:10
Neila Anders Aidar
Pura realidade que vivenciamos! Cabe a NÓS Brasileiros optarmos pela REAL DEMOCRACIA, ou pela continuação da Corrupção...
Terça, 8 Abril 2014 09:36
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