Estado Laico e o antagonismo à religião: Fato ou mito?

 
 
 
 
 
 
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Corretismo político e a descristianização do Ocidente

O processo de secularização das sociedades ocidentais, inclusive a do Brasil, tem alcançado níveis perigosos. O “corretismo político” é tão exacerbado que muitas normas morais, costumes e tradições perfeitamente aceitáveis ha poucos anos atrás, passaram gradualmente  a ser considerados inaceitáveis e em alguns casos, crimes.  Tudo isso em nome da suposta liberdade e igualdade de direitos, mesmo que o preço a pagar-se por esse ideal de falsa  ”liberdade e igualdade” seja a intolerância generalizada.
Tomemos o exemplo da hostilidade à religião que tem se instaurado no Brasil. O argumento daqueles que promovem a eliminação da religião da esfera pública da vida do país é, invariavelmente, o conceito de defesa do laicismo do Estado e do exercício ao direito democrático da sociedade brasileira. Mas será mesmo que esse argumento é correto?
Antes de aprofundar-me nesta discussão é preciso que se faça uma simples definição do conceito de Laicismo. Contudo, por razões meramente práticas, é mais conveniente que eu primeiro defina o que é um Estado não-laico, pois isso ilustrará de maneira conveniente o argumento que pretendo construir neste texto.

Estado Teocrata

O Estado não-laico é, de modo amplo, definido como um Estado teocrata, ou seja, aquele onde as leis, normas e preceitos vigentes na ordenação e governança da sociedade estão calcados primordialmente em conceitos e preceitos de moral e valores religiosos. Mas não apenas isso, nesses Estados as normas religiosas constituem parte integral das leis civis do país e por esse motivo são aplicadas no funcionamento do Estado. Um exemplo de Estado religioso ou não-laico é a Arabia Saudita, onde as normas religiosas prescritas no Islão, a chamada Lei Sharia,  são sistematicamente implementadas na vida da sociedade. Vejamos alguns exemplos dessas normas: Na Arábia Saudita os bancos não podem emprestar dinheiro a juros, pois é um preceito contido no Al Corão. As mulheres não podem exercer papel de liderança ou proeminencia, pois de acordo com a interpretação Saudita do Al Corão, a mulher deve ser submissa ao homem em todos os aspectos. Lá também é permitida a poligamia, novamente, porque consta no livro sagrado Islamico. Assim vemos como é funciona na prática um Estado teocrata.

Estado Laico

Agora vamos à definição de Laicismo – Também conhecido como Estado Secular, o Estado Laico é aquele que não possui uma  religião oficial, mantendo-se neutro e imparcial no que se refere aos temas  religiosos. Entretanto, há uma a separação entre Estado e Igreja.  As concepções morais religiosas — unânimes, majoritárias ou minoritárias — não podem guiar as decisões de Estado, devendo, portanto, se limitar às esferas privadas. Geralmente, o Estado laico favorece, através de leis e ações, a boa  convivência entre os credos e religiões, combatendo o preconceito e a discriminação religiosa. Desta forma, no Estado laico, em princípio, todas as crenças são respeitadas. Não há perseguição religiosa. Neste sentido, o Brasil é um país com Estado laico, pois  nossa Constituição garante liberdade de culto religioso.  A partir das definições acima podemos claramente determinar que o Brasil,  em sua constituição como na prática, é um Estado Secular.
O problema é que em nome da defesa do Secularismo há uma corrente cada vez mais militante de ateus que defende não apenas a separação do Estado e Igreja, mas a hostilização à religião, seja ela qual for. No caso do Brasil essa oposição é mais evidente em relação a Igreja Católica, que apesar de não ser mais a religião oficial do Estado brasileira, continua a ser predominante no país.
Há uma confusão perigosa na definição de Laicismo na mente dos opositores à religião aqui no Brasil. Eles creem, ou figem acreditar, que Estado Laico tem que repudiar a religião, o que não é correto. Um exemplo clássico de Estado Laico é a Inglaterra, onde apesar do regime Secular há, por outro lado, uma Igreja Estabelecida pelo Estado, da qual o próprio chefe de Estado,  a Rainha Elizabete II, é a chefe. Ora, como poderíamos questionar a Laicidade da Inglaterra? Por outro lado, não podemos negar o fato de que há uma Igreja oficial naquele país, ou seja,  a Igreja Anglicana - que aliás resultou justamente de uma cisma nascida dentro da Igreja Católica, inciada por Henrique VII.
O ponto deste texto, portanto, é o seguinte: Não há perigo algum para o Estado laico o convívio respeitoso entre Estado e Religião, portanto, para advogar-se a causa laica não é preciso hostilizar as crenças religiosas. O debate recente sobre a retirada dos crucifixos das repartições públicas e escolas, por exemplo, ilustra muito bem essa confusão na definição de laicismo ou secularismo. Aqueles que defendem a retirada do símbolo religoso cristão alegam que, porque o Estado é Laico ele deve legislar contra a expressão religiosa. O termo “legislar” não foi aqui usado por acaso, mas sim com o propósito de salientar um ponto simples mas bastante relevante nessa discussão: Como vimos acima, o Estado laico não produz leis para repudiar qualquer expressão religiosa, pelo contrário, ele legitimiza legalmente o direito à prática religiosa e combate a discriminação. Portanto, não seria incorreto afirmar que aquelas pessoas que reinvidicam a criação de leis para proibírem o uso de símbolos religiosos na esfera pública, dentro de orgãos governamentais, não estão a fazer a defesa do Laicismo brasileiro, como alegam, mas sim da instauração do Estado Ateu ou da pugnacidade do Estado em relação à religião. Para provar este argumento é importante fazer uma comparação entre Estado Ateu e Estado Laico.

Estado Ateísta

O Estado ateu ou ateísta rejeita  todas as formas de religião por um Estado em favor do ateísmo, habitualmente através da supressão da liberdade de expressão e religiosa. Um exemplo clássico de Estado Ateu na atualidade é a China, pois na prática, ela não apenas proíbe a religião na esfera pública, mas inclui uma oposição ativa contra a religião, e perseguição de instituições religiosas. Como vimos acima, o Estado Laico não se opõe à religião, mas promove a separação entre ambos.
Assim, o processo de secularização  proposto pelos militantes ateístas no Brasil visa, a grosso modo, eliminar o conceito de religião em toda a Sociedade, pois desse modo o avanço das “morais” ateítas são facilidados. A retirada dos crucifixos é apenas a ponta do iceberg. Essa ação é claramente uma investida contra a expressão religiosa, mas acima de tudo  - e é ai que muitos não cristãos falham em reconhecer seu erro –  ela é incondizente com a herança historico-cultural do Brasil. Os crucifixos nas repartições não representam apenas parte de um patrimonio religioso, mas são parte intergrante da cultura de um país nitidamente construído sobre os valores cristãos trazidos por seus colonizadores.
Um simples olhar na história da formação do Estado Brasil comprova isso. O primeiro nome do Brasil foi Terra da Santa Cruz, não apenas qualquer cruz, mas aquela do Salvador Jesus Cristo.  Aqui há cidades “batizadas” em homenagem aos Santos Apóstolos, à Vitoria de Cristo na Cruz, ao Salvador dos homens… Será, pergunto-me, que depois de exigirem que os crucifixos sejam arrancados das repartições públicas por ameaçarem ao laicismo, não exigirão também que a cidade de Salvador, Vitória, mudem seus nomes? Como será que chamarão o estado do Espírito Santo ou a grande cidade de São Paulo?
A herança cristã brasileira nunca foi ofensa aos não-cristãos que aqui aportaram ao longo de nossa história. Pelo contrário, a tolerância sempre foi um atributo daqueles que por escolha ou por circunstancias da vida fizeram do Brasil sua nova pátria. Porém, hoje há brasileiros patriotas que preferem apagar da nossa história não apenas o cristianismo em si, mas nossa catolicidade. Pois tristemente, há muitos ditos cristãos evangélicos que ingenuamente “ecoam” o coro liderado pelos ateístas, e mal dão-se conta de que em breve, serão eles também perseguidos.
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5 ideias sobre “Estado Laico e o antagonismo à religião: Fato ou mito?

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    Helen, já tem algum tempo que eu queria escrever um texto tratando deste assunto partindo da filosofia da religião e da filosofia política. E expresso antes certa indignação porque não vejo uma mobilização da nossa Igreja e dos nossos pastores, nosso colégio episcopal em relação a tamanha hostilização da crença religiosa católica e das demais religiões. A sua definição de estado Laico não poderia ser melhor embora saibamos que a secularização do estado fruto do sonho “humanista” do iluminismo é sobretudo alimentado pelo liberalismo que conquistou força em estados que aderiram a reforma prostestante, não é atoa que Max Weber constatou que o capitalismo e o liberalismo se adequaram muito bem a ética protestante. Tomando o liberalismo como ponto de partida, eu que como católico assumo a posição comunitarista defendida por pensadores como MacIntyre e Charles Taylor que nos mostram que ninguém sai simplesmente das raízes de suas tradições para pensar novos valores ainda que se questione tais valores. Eu entendo que a tradição é um dos fundamentos que constroem a nossa história, moral e política baseadas ou não em valores cristão, direta ou indiretamente e portanto o estado laico enquanto tal deve promover o respeito e a liberdade de cada cidadão de expressar sua fé e sua religião inclusive seus valores morais sem ser molestado por quem se opõe a estes valores, porque acredito que concepções morais, metafísicas e cientifícas são vencidas com argumentos e não com opressão. Eu tenho visto que ateus e agnósticos ligados a “ATEA” praticam a intolerancia e nos acusam impiedosamente de intolerancia sendo que o que fazemos nada mais é que levar uma mensagem que recebemos da nossa fé aos nossos irmãos. Nos proíbem de pregar a nossa fé, o vulgo proselitismo, e no entanto o tempo todo estão militando em favor de suas “verdades”, ora militar não é neste caso senão outro nome para o proselitismo! Os ateus atacam nossa religião e as demais com falácias e não com argumentos lógicos baseados em um discurso racional com premissas e conclusões que se relacionam harmoniosamente. Deturpam oque recebemos da tradição por ignorância, frustração ou sei lá oque. o que mais me intriga é que poucos entendem que o ateísmo militante é uma contradição, afinal de contas o ateísmo só faz sentido dentro de uma cosmologia, ou filosofia niilista e portanto não pode ter outra finalidade do que reduzir ao silêncio quem a professa, já que o ateísmo é um ato de fé no nada, é uma forma velada de ceticismo. digo ato de fé partindo do raciocinio de um filósofo ateu contemporaneo, André Comté-Sponville, que explica com muita maestria em seu livro: “Apresentação da Filosofia” que partindo de um pressuposto já constatado pela filosofia da religião, de que não é possivel determinar partindo do método cientifico que Deus exista ou não, o que todo ser humano faz é um ato de fé no Ser maior denominado Deus (das religiões ou não) ou professar um ato de fé no nada reduzindo sua existência ao absurdo (Bem ao estilo existecialista, sobretudo com Albert Camus). Ora me pergunto qual é o sentido de fazer proselitos em prol de uma vida sem sentido legada ao absurdo? vão propor suicidio coletivo? ou será que o nada é o novo mitra, Zeus ou Mamôn e não fomos informados? o Estado Laico não é muito diferente estruturalmente da sociedades pagãs do mundo antigo, se baseiam num culto do prazer e na libertinagem vendida como liberdade. Apesar de eu ter conhecido e convivido com pessoas de vários credos religiosos dentre eles muitos ateus e agnósticos que sempre tiveram o meu respeito e consideração eu confesso que oque se apresenta para nós é uma ditadura de uma minoria que deseja crescer a força, afinal de contas o estado é laico, mas a maioria em nosso país é ainda formada por cristãos católicos. é certo que conceito de cristandade acabou faz tempo. E que há muitos católicos de fachada que ficam transitando entre “filosofias” totalmente opostas a proposta de nossa fé, mas ainda assim somos maioria no mundo e quem realmente se engaja e abraça a fé faz o que pode pelo próximo. então se os ateus quem seu espaço que eles busquem levantar escolas, hospitais, orfanatos e universidades (que aliás é uma criação da nossa Igreja) e ao se engajarem na política busquem ser honestos e cobrem a mesma honestidade de nós sem agredir nossas convicções, mas apontar e ajudar a solucionar o erro, aí sim eu vou acreditar em estado laico de verdade. E o concílio Vaticano II efetivamente vai nos guiar enquanto católicos para um diálogo de verdade.
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    Prezada Herlen:
    Sou evangélico, contudo não sou hostil à utilização de crucifixos nas repartições públicas. Reconheço neles um símbolo cultural que não deveria ser retirado, pois é como se parte de nossa história estivesse sendo negada. Reconheço a importância histórica da Igreja Católica e sua contribuição civilizatória na história e construção do nosso país. Considero que é mil vezes melhor um Brasil católico, ao invés de um Brasil comunista, ateu ou liberal. Afinal, o primeiro ato público no Brasil, após a chegada de Cabral, foi a celebração de uma missa.
    Embora discorde de alguns pontos da doutrina católica, em contatos com irmãos evangélicos e amigos não evangélicos, procuro sempre desfazer essa imagem falsa e negativa que foi criada em torno da Igreja Católica, esclarecendo a essas pessoas que ela (a instituição milenar Igreja Católica) não é sinônimo de Cruzada, Inquisição, pedofilia, e que, pelo contrário, ela contribuiu para o desenvolvimento da civilização ocidental.
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      Prezado Francisco,
      De fato não é prudente generalizar. Contudo, o texto trata da maioria, não das exceções.
      Assim, é correto afirmar que nem todo ateu se engaja na empreitada pública contra a religião, do mesmo modo, nem todo evangélico afirma que o crucifixo é um símbolo idólatra – pois retrata a figura de Cristo – ou que ele desvie o mérito da Vitória na Cruz, para a Morte do Redentor no monte Calvário, e portanto, opõe-se a ele. Na verdade, o crucifixo, para um católico, é o memorial da Ressurreição, do Sacrifício Salvífico de Cristo, pelo que Ele nos redimiu. Daí a nossa reverência a ele…
      Pax Domini,
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      Sr. FRANCISCO pela primeira vez me rendo a alguém que é evangélico.O meu mais profundo respeito pois o senhor nos respeitou de uma forma belíssima,é muito raro alguém concordar com os católicos em suas idéias e o senhor concorda que laicidade não é o mesmo que ateísmo.muito obrigado e que DEUS sempre o abençoe, e nos livre de todos os males.

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