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    sexta-feira, 8 de novembro de 2013

    [Novo post] Introdução (até que enfim) ao neo-iluminismo




    lucianohenrique publicou: " Crenças são ferramentas para a geração de efeitos. Robert Dilts já nos dizia isso em "Crenças", uma das melhores obras da PNL. Uma vez que aceitemos uma crença, nossos comportamentos são afetados. Podemos dizer que não só o animal humano, como toda es" 



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    Nova publicação em Luciano Ayan 







    by lucianohenrique





    Crenças são ferramentas para a geração de efeitos. Robert Dilts já nos dizia isso em "Crenças", uma das melhores obras da PNL. Uma vez que aceitemos uma crença, nossos comportamentos são afetados. Podemos dizer que não só o animal humano, como toda espécie animal, tem comportamentos influenciados por crenças.

    O comportamento de fugir de um animal selvagem se baseia na crença de que este animal pode nos devorar. O comportamento de apostar em um galo de briga se baseia na crença de que este galo pode vencer a briga de galo (a não ser que não gostemos de dinheiro, obviamente). O comportamento de dirigirmos com cuidado se baseia na crença de que a direção atabalhoada pode fazer com que provoquemos um acidente. E assim, sucessivamente, conseguimos fazer uma rastreabilidade bidirecional associando crenças a comportamentos, e vice-versa.

    As crenças podem, no entanto, ser danosas, ou injustificadas. Elas podem estar simplesmente erradas. Ao ligarmos os pontos A e B, podemos simplesmente estar fazendo a conexão errada. Exemplo: podemos achar que temos dor de dente por causa da chuva, ou que um funcionário está descontente por causa do salário (quando pode ser outro motivo), e daí por diante. Crenças erradas a respeito do mundo são aquelas que definimos como irracionais. E não estou entrando em minúcias a respeito de coisas como razão instrumental, razão pura e coisas do tipo. Não é este o foco aqui, ao menos no momento.

    Sam Harris sugeriu que nos opuséssemos contra as crenças irracionais, sejam elas quais fossem. Quero defender aqui um paradigma nos mostrando que as crenças irracionais não são nossos maiores problemas, mas sim uma categoria específica de crenças irracionais, que defino como crenças irracionais problemáticas. Estas crenças irracionais podem vir da religião tradicional ou de qualquer outro tipo de sistema de pensamento. Assim, defendo que as crenças irracionais devam ser catalogadas em dois tipos: crenças irracionais neutras e crenças irracionais problemáticas.

    Por que decidi não focar nas crenças irracionais neutras? Simplesmente por que elas são inerentes aos seres humanos. Essa é a programação biológica do animal humano. Boa parte das decisões humanas são irracionais, embora uma minoria dessas são racionais. Sem esquecer de que, para mim, decisões (ou até comportamentos) são apenas resultados de crenças que temos. E a própria decisão de verbalizar uma crença positivamente é um comportamento resultante da pessoa de fato possui esta crença dentro de sua cachola.

    Quero defender a ideia de que devemos priorizar o desmascaramento e a demolição não das crenças irracionais neutras, mas das crenças irracionais problemáticas.

    A crença racional neutra é aquela que tem duas possíveis consequências principais: não resulta em decisões e comportamentos que causem qualquer tipo de impacto no mundo, ou resultam em impactos no mundo, mas somente para o próprio crente. Por exemplo, se alguém achar que gritar dentro de uma latinha, vedando-a em seguida, causa a captura de um grito, temos uma crença irracional, mas que não causa nenhum efeito adverso no mundo. Achamos engraçado, mas as pessoas devem ter o direito de acreditar nestas bobagens. Alguém também pode achar que cortar o próprio pênis vai causar o nascimento de um pênis novo, com ereções eternas. Essa crença com certeza causa um impacto no mundo, mas somente para a própria pessoa.

    Observe que tratei de dois tipos de crenças irracionais que não são um problema para nós. Elas não impactam nossa vida e dão o pleno direito de cada indivíduo tomar suas decisões que não impactem diretamente em terceiros. O quanto uma crença possui impacto indireto nos outros também pode ser discutido. Mas creio que, para o momento, já é o suficiente para que eu defina de quais tipos de crenças irracionais estou tratando.

    Pois bem. Ao invés de tratar de "crenças irracionais", como diz Sam Harris em A Morte da Fé, eu opto por tratar as crenças irracionais problemáticas, que se encaixam em uma ou mais das configurações abaixo: 
    Crenças irracionais que impactam diretamente os descrentes 
    Crenças irracionais que, mesmo impactando os descrentes, não são suficientemente questionadas pelos opositores desta crença 
    Crenças irracionais que, tendo atendido as condições acima, ainda assim não admitem questionamentos 
    Crenças irracionais cujos adeptos busquem limitar a liberdade dos descrentes 

    Uma vez que apliquemos estes quatro critérios, podemos, enfim, reinterpretar praticamente todo o livro A Morte da Fé e finalmente termos um forte caso contra as crenças mais perigosas de nosso tempo. Pode-se dizer que se o neo-ateísmo é um movimento defendendo um ataque às crenças alegadas como irracionais se forem de alguma religião revelada, a minha superação e reconstrução deste paradigma propõe: um ataque às crenças irracionais da religião política, ou à quaisquer crenças irracionais problemáticas relacionadas às questões da vida pública.

    Vejamos como isso funciona na prática.

    Imagine um pastor que acredita no cristianismo de forma literal. Ele não propõe nenhuma forma de cerceamento de liberdades individuais, embora ache que crimes violentos devem ser punidos. Ele propõe que os gays devem ter o direito a união civil, mas também defende que ele possa pregar em seu púlpito a defesa da família tradicional. Por mais que alguém queira acusá-lo de crenças irracionais neutras (e, como já disse, todos possuem crenças irracionais), não podemos acusa-lo, ao menos nos exemplos que citei, de crenças irracionais problemáticas.

    Por outro lado, imagine que um grupo LGBT proponha que, em sua concepção de estado laico, o líder religioso não possa mais expressar aquilo no que acredita. Esse grupo também propõe que os religiosos devem ter seu direito de participar na política vetado. Observe que são duas crenças irracionais problemáticas, que atendem aos critérios que coloquei, especialmente o de impacto direto aos descrentes, e o cerceamento da liberdade dos mesmos descrentes.

    Alguém mais cínico poderia objetar: "Aha, Luciano, essa enfim é sua artimanha para tirar o foco dos religiosos e lançá-lo para outras pessoas? Espertinho você, não é?". Essa crítica nem de longe é justificada, e vou mostrar aqui que meu paradigma impede esta possível "saída pela tangente".

    Imagine um líder religioso do Sudão que diga que, de acordo com as leis místicas nas quais ele acredita, as mulheres devem ter seu clitóris extirpado. Imagine também um líder jihadista que afirme ter uma missão divina de matar os infiéis. É claro que falamos de crenças irracionais problemáticas e que nesses exemplos estão associadas à religião tradicional. Creio que esses dois exemplos provam que meu paradigma não torna a religião tradicional imune à críticas, mas apenas dá um reforço à ideia de que devemos priorizar quais crenças da religião tradicional são ou podem se tornar um problema para nós. Questões como aborto, eutanásia e casamento gay são relacionadas a crenças que impactam a vida daqueles que não compartilham delas, e também são foco de meu paradigma.

    Sam Harris colocou como um símbolo de sua campanha contra a religião tradicional as vítimas do 11 de setembro. Entretanto, seu erro grave foi atribuir esse tipo de consequência à religião tradicional, quando poderíamos facilmente argumentar pela hipótese de que aquele evento terrorista tinha muito mais a ver com a religião política do que com a religião revelada. Neste caso, a alegação de Harris, de que o atentado do 11 de setembro foi causado pela religião tradicional, torna-se uma crença irracional problemática, que também é demolida se usarmos o neo-iluminismo nessa questão.

    Neo-iluminismo não é exatamente a mesma coisa que ceticismo político, mas ancora-se em seus princípios. Mas também podemos dizer que o neo-iluminismo é a aplicação do ceticismo político em questões públicas. Em outras palavras, com o neo-iluminismo estamos fazendo exatamente o que os iluministas originais fizeram, só que agora contra todas as possíveis variações de crenças que nos lançam em eras de desrazão, mais obscuras do que as eras medievais, enquanto ao mesmo tempo impactam diretamente seus descrentes, limitando as liberdades destes últimos. Podemos dizer que essas crenças, especialmente as da esquerda (que as possui em quantidade inacreditável), nos levam de volta às eras tribais. O neo-iluminismo pode também ser definido como uma ação específica contra crenças que estão nos levando de volta às eras de barbárie dos tempos tribais.

    Sam Harris propunha que usássemos exemplos de mulheres que tinham o clitóris extirpado como um exemplo das consequências nefastas da religião. Na verdade, pelo neo-iluminismo, temos uma visão muito mais ampla. Vejam exemplos de vítimas de crenças irracionais problemáticas: 
    • Mulheres que tem o clitóris extirpado em rituais 
    • Pessoas que morrem em gulags 
    • Vítimas de crimes desnecessários
    • Vítimas de atentados terroristas, inclusive atentados suicidas 
    • Pessoas que pagam impostos injustificados 

    Enfim, todos os problemas que Harris atribui à religião, eu atribuo à crenças irracionais injustificadas. E isso resolve a maior parte dos problemas teóricos que os neo-ateus criaram para eles próprios. Ao invés de estudar um problema apenas se ele estiver relacionado à religião tradicional, eu estudo o problema em si.

    Por exemplo, quando Harris tenta dizer que os genocídios são causados pela religião, ele se defende dizendo que "ateísmo não causa genocídios, apenas teísmo". Quando confrontado com os crimes de Stalin e Hitler, ele diz que "os crimes de Hitler são causados por religião, e os crimes de Stalin por irracionalidade". O problema é que essa declaração é irracional e cheia de furos, pois cria categorias facilmente refutáveis por qualquer um que estude lógica. Já em meu paradigma eu atribuo tanto a condenação de pessoas pela Inquisição quanto o lançamento de pessoas em câmaras de gás pelos nazistas como resultados de crenças irracionais problemáticas que não foram suficientemente questionadas pelos descrentes quanto a essas crenças.

    O neo-ateísmo é a cadela que gerou o neo-iluminismo, mas este renegou a mãe em suas posturas, mantendo os mesmos instintos.

    Claro que há muitas objeções a serem tratadas e detalhamentos a serem feitos, assim como muitas abordagens práticas mostrando a urgência deste tipo de paradigma para a atual era de tribalismo, que vem solapando pouco a pouco nossas mais queridas noções de sociedade civil. Mas, em uma casca de noz, creio que fiz a introdução ao neo-iluminismo, respondendo a algumas questões no Facebook perguntado: "Luciano, mas que raios é o neo-iluminismo?".(Ver também o verbete neo-iluminismo, da seção Glossário)

    Como definir este blog? É um blog praticando e difundindo o neo-iluminismo. Uma das melhores formas de fazer isso é pela aplicação do ceticismo político contra a religião política.















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